Seu mecanismo é muito rude e ainda assim bastante engenhoso. A mó é presa a um eixo vertical, que a atravessa ao centro numa perfuração e se prende a ela por uma trava de ferro (segurelha). No outro extremo do eixo está preso a roda d'água, que transmite-lhe o movimento. Acima da pedra está uma caixa de madeira que contém o milho in natura (moega) e abaixo, outra caixa para colher o fubá (caixão). Uma haste vibratória em madeira, presa à moega age como uma válvula: a vibração do giro da pedra passa por ela e trepida a moega, que por uma canaleta deixa escorrer aos poucos os grãos ao centro da mó, caindo em sua abertura e sendo por ela triturados.
A construção e a regulagem do moinho é uma ciência para poucos carapinas. Há os mestres em construi-los, que sabem escolher as madeiras adequadas, a forma de talha-las corretamente, fazer os encaixes. Nas roças há também artesãos que sabem escolher e picar a pedra corretamente para produzir a mó _ pedra circular usada para moer _ um trabalho tão meticuloso quanto difícil, lasca a lasca, manejando o "picão" (ferramenta de ferro com duas pontas), perfeitamente equilibrado o peso de todos os lados, uma vez que definido o centro. Em São João del-Rei, no povoado do Caxambu havia uma família especialista nesta arte. Há ainda o trabalho braçal de abrir um valo que desvie parte da água de um córrego até a roda motriz, com inclinação tal que gere pressão suficiente para movê-la com velocidade e isto exige um justo cálculo de natureza prática. A água após o moinho corre de volta ao córrego sem poluição alguma. É um mecanismo não agressivo ao ambiente.
O moinho tem seu folclore. Vez por outra, quando a demanda entre congadeiros esquenta porque uma guarda de moçambique, um terno de catupé, um corte de vilão, um batalhão de congo, uma banda de marujos ou seja qual for a guarda está demorando muito no pé do mastro, sem dar lugar a outra que também quer chegar para a louvação; quando o capitão avista o outro junto ao mastro atravessando a bengala ou o tamborim de um lado a outro ou jogando algo por ali, logo cismado e alertando canta:
O canto é dividido: o capitão canta o primeiro verso e o coro repete o segundo, repetindo-se indefinidamente. Na gíria congadeira "fubá" é sinônimo ou símbolo de feitiço, mandinga, magia. "Tatu" é alcunha pejorativa aplicada a um capitão rival. Assim já ouvimos em vários congados de São João del-Rei.
Casinhola onde funciona um moinho de fubá ("munho d'água"). Brumado de Baixo (São João del-Rei/MG). As fotografias a seguir mostram seus componentes. |
Caixão com sua tampa. |
Interior da moega. |
Moega e mó montadas nos respectivos suportes. |
Parte inferior do moinho vendo-se o acabamento do eixo com cintas metálicas. |
Segurelha feita de ferro: acima, vista superior; ao centro, vista inferior; em baixo, encaixe entalhado na face inferior da mó para encaixe de uma segurelha. |
Mó - vista superior (acima) e vista inferior (abaixo). Medidas: circunferência, 73 cm; abertura central, 10 cm; espessura na borda, 6 cm; espessura central, 11 cm. |
Mó - vista superior (acima) e vista inferior (abaixo). Medidas: circunferência, 95 cm; abertura central, 10 cm; espessura na borda, 7cm; espessura central, 13,5 cm. |
Pedra-base de suporte de uma mó. Medidas: 160 cm de diâmetro geral; abertura central, 15 cm de diâmetro; espessura, 18 cm; altura da borda (parcialmente quebrada), 14 cm. |
Desenho esquemático da mó em vista superior, inferior e lateral; vista da pedra base da mó. (pelo autor) |
Notas e Créditos
Literalmente, "fabuloso" este resgate, registro e divulgação. Ato generoso para a memória e para o imaginário popular de São João del-Rei!
ResponderExcluirGrande abraço.
Muito, muito bom. Sou apaixonado por moinhos d'água. Há alguma outra postagem a respeito?
ResponderExcluirGrato pela visita e comentário. Volte a visitar este blog. Infelizmente não dispomos de outro texto específico sobre moinhos. Contudo, numa outra postagem abordamos o assunto dos engenhos populares sobre outro ângulo (inclusive moinhos):
Excluirhttp://folclorevertentes.blogspot.com.br/2012/11/ergologia-do-folclore.html
ENGENHOS & ENGENHOCAS (14 DE NOVEMBRO DE 2012)
Parabéns confrade pelo belo e bem documentado texto. Na minha infância em Montes Claros meu pai era proprietário de um tocado a eletricidade que funcionava no fundo do quintal e tinha uma longa cinta de borracha que fazia o moinho produzir o fubá. Boa lembrança.
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