Animal
terrestre de hábitos subterrâneos, cujo nome é um duplo equívoco: não é cobra
(embora pareça uma), nem tem duas cabeças. Tem uma só, mas o extremo caudal é
rombudo, assemelhando-se a grosso modo a uma cabeça, daí seu batismo. Recebem
este nome um réptil da família anfisbenidae, Leposternon
microcephalum - também chamado cobra-cega - e um anfíbio da família caeciliidae, Siphonops annulatus – outrossim
conhecido por minhocão (*), dentre outros congêneres, todos frequentemente confundidos nos meios populares.
Mas ao povo pouco importa estes detalhes zoológicos: estes animais passam por serpentes e como tais são tratados. Estão sujeitos aos mesmos tabus e crendices, desenvolvendo medo e repulsa, como sói acontecer com as cobras em geral. SANTOS (1981), referindo-se ao anfíbio afirmou: "ao inofensivo bicharoco empresta o povo propósitos perversos e crê num sem-número de malefícios que ele é capaz de engendrar". O mesmo autor cita várias crendices que recaem sobre o réptil.
Mas em especial pode-se indicar alguns detalhes correntes nesta região: a cobra de duas cabeças goza de má fama nos meios populares, porque se crê que não é sua
mordida ou picada que mata, mas sim a “baba” (saliva), que se molhar alguém tem
efeito mais terrível que o veneno das cobras verdadeiras. Por isto a matam. Na
verdade só morde se ostensivamente molestada. É ainda mal querida pelas
galerias que abre sob a terra, que, segundo os agricultores, alojam
posteriormente formigueiros. Da mesma sorte por vezes invade as galerias das formigas-cabeçudas (formigas saúvas ou formigas de roça). Daí seus sinônimos populares Brasil afora, tais como rei das formigas, mãe do formigueiro e mãe de saúva.
A cobra-cega é visada pelos pescadores, que a trespassam em anzol para isca.
A cobra de duas cabeças é animal votivo do orixá Oxumaré. A ferramenta desse orixá é uma cobra de ferro.
Não obstante a repulsa que de imediato causam pelo aspecto serpentiforme, esses habitantes subterrâneos merecem ser preservados posto que tem seu papel na cadeia biológica, contribuindo para o equilíbrio da cadeia alimentar.
Cobra de duas cabeças: à esquerda o réptil anfisbenídeo e à direita o anfíbio cecilídeo.
São João del-Rei/MG.
Referência Bibliográfica
SANTOS, Eurico. Anfíbios e Répteis: vida e costumes. 3.ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981. 263p.il.
Notas e Créditos
* Na cidade sul mineira de Ouro Fino o termo "minhocão" ganhou uma acepção lendária, na justificativa de um tremor de terra, supostamente causado por uma minhoca gigante, como se depreende deste excerto: “Foi desse lado, em velho pasto, que ocorreu o célebre minhocão, que assustou o povo e que, na verdade, não passou de uma depressão súbita e violenta do solo causada por corrente de águas subterrâneas.” (LEITE, Aureliano. Ouro Fino de minha meninice. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1964, v.11.p.47-51.)
** Texto e fotos: Ulisses Passarelli
*** Para saber mais a respeito da cultura popular desenvolvida em torno das serpentes ver: NOMURA, Hitoshi. Os Répteis no Folclore. Mossoró: Fundação Vingt-un Rosado, 1996. Coleção Mossoroense, série C, v.893. 99p.
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Ela é venenosa?
ResponderExcluirNão
ExcluirMeu gato pegou uma dessa e ela mordeu ele.ficou grudado no focinho dele. Disse que a saliva mata. O que eu faço?
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