Bem vindo!

Bem vindo!Esta página foi criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas, tampouco acadêmicas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Folias e seus anfitriões: breves notas de sua relação social

Em vários municípios do Campo das Vertentes, as tradicionais folias de Reis estão saindo às ruas em sua jornada de visita aos lares. Rua afora, em viagem silenciosa, em caminhada sagrada, param diante das casas e tocam suas violas, violões, cavaquinhos, sanfonas, caixas, pandeiros, triângulos e xique-xiques, sempre precedidas por uma bandeira bastante adornada, na qual se estampa o santo festejado, alvo de todo respeito e carinho dos foliões e moradores visitados. 

Dentro das residências ou diante delas, entoam seu cântico típico, saúdam os presépios prioritariamente, depois aos anfitriões e de praxe se recolhe uma oferta, para obra da caridade ou para o festejo religioso. Em algumas circunstâncias as folias vem à rua com o objetivo de recolher ofertas para uma certa coleta, cuja destinação já é determinada e consensual. Assim, por exemplo, para edificação ou ampliação de uma capela, ou para aquisição de bancos para a mesma. Uma vez cumprida a função, no outro ano, o produto das espórtulas segue outro destino, qual seja, a obra de caridade: aquisição de cestas básicas para famílias carentes, de cadeira de rodas, custeio de uma conta de farmácia ou iluminação de algum carente absolutamente impossibilitado de pagar, doação para uma creche, etc, ou outro destino que os responsáveis definirem com os seu pares, como a promoção de um festejo, melhorias no uniforme ou no instrumental, custeio de uma romaria ou participação num festival de folias. 

É interessante observar o prestígio das folias, que carregam algo como que uma carga de bucolismo em si mesmas. Muitas e muitas famílias as recebem saudosas da época que seus pais e avós, amantes ou até participantes de folias em sua época, nutriam um carinho especial por esta manifestação. Para muitos, receber uma folia, ofertar um lanche aos folieiros, perfumar sua bandeira ou ornar com mais flores e fitas é remorar o que os pais faziam, repetir, sequenciar, e porque não, em certa medida, "honrar pai e mãe". Então, com frequência, vemos os anfitriões levados à emoção e a bandeira ganha ainda mais uma parte no sagrado, quando os donos da casa enxugam suas lágrimas no próprio tecido da mesma. A bandeira gera e absorve emoções. E isto é incomensurável! Somente ao se presenciar é possível parcialmente aquilatar o significado intrínseco de uma visita de folia de Reis. Descrever não é possível. 

Por outro lado, há gente que não veio dessa formação cultural, que recebe de curiosidade, ou apenas não recebe, senão mesmo, menospreza, o que é lamentável. Mas os folieiros humildemente seguem seu caminho e só em casos excepcionais fazem o "descante", assim chamada a cantoria de resposta atrevida a uma grande desfeita, como que simbolicamente retirando o que fora antes cantado. 

Essa curiosa relação entre visitantes e visitados se configura também na observação dos anfitriões à qualidade e respeito da folia à moradia. Os proprietários observam atentamente a educação dos folieiros, o respeito ao espaço alheio, se estão bêbados, se pedem licença para entrar, permissão para parar os instrumentos, se saúdam os objetos religiosos da casa, se mantém a discrição ou se ficam observando os detalhes da residência visitada, o comedimento, enfim. Além da questão comportamental, os donos das casas agraciadas notam bem a afinação das vozes e a destreza com os instrumentos musicais. O conjunto disto tudo pontua positivamente a folia, que ganha conceito na voz popular e de outro ano é sempre bem vinda. Seu renome a antecede. Ao contrário, se as regras são eventualmente descumpridas, a visita pode ser rejeitada ou a recepção acontece mas não de forma calorosa. 

Para uns e outros a folia carreia bênçãos sobre as habitações. A passagem da bandeira e a energia do canto evocam graças, que recaem sob a forma de saúde, fartura, união, paz e proteção. Daí, sobre esta crença benéfica, se constrói o carinho dos moradores às folias. Quanto mais respeitosa a folia e quanto mais o embaixador souber formular versos sobre o universo sagrado vivenciado pelas folias, maiores e mais certeiras serão essas bênçãos. A folia teria o dom de expurgar os males das casas, as pragas das plantações, afastar assombros, trazer o consolo. 

Na despedida a bandeira sai na frente, como uma guia que antecede aos folieiros. Ao sair ouve-se: 

_ "Viva Santos Reis!
_ Viva!!!
_ Viva o Menino Jesus!
_ Viva!!!
_ Viva o povo dessa casa!
_ Viva!!!"

E então é inevitável a senhora e o senhor dizerem o "muito obrigado pela visita", o "vai com Deus, gente", o "ano que vem vocês voltem!"

Eis algumas breves notas sobre a relação entre folias e moradores, apenas superficiais, como contribuição modesta à difusão dos valores dessa histórica manifestação cultural de nosso patrimônio imaterial. 

De natureza meramente ilustrativa, sem relação direta com o conteúdo desta postagem, seguem duas fotografias de uma das folias de São João del-Rei na atual jornada. 


Folia de Reis "Embaixada Santa" visitando uma residência na 
Vila Nossa Senhora de Fátima, Bairro Matosinhos, São João del-Rei.

Folia de Reis "Embaixada Santa" visitando o Salão Comunitário da 
Vila Nossa Senhora de Fátima, Bairro Matosinhos, São João del-Rei.  

Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli
** Fotografias: Iago C.S. Passarelli, 28/12/2017

Última revisão: 27/10/2024

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Os cinco sentidos do patrimônio

São João del-Rei: 304 anos de patrimônios


Ninguém sabe ao certo. Documento exato não se apresentou. Cogita-se... Estima-se a data inicial. Mas é certo que essa única São João del-Rei ultrapassa aos trezentos anos. 

Já no anoitecer da era dos seiscentos, bandeirantes aventureiros passavam para lá e para cá pelo vale do Rio das Mortes, a perseguir povos originários e riquezas. Até que um resolveu ficar com família, agregados e homens escravizados. Fez morada no Porto Real da Passagem ainda seiscentos (vide mapa do Padre Cocleo) e em 1701 se tornou a primeira autoridade, como guarda-mor. Tomé Portes del-Rei era seu nome. Desta urbe pode ser considerado fundador e patrono. Tudo começou ali pelas bandas de Matosinhos, que sempre foi e ainda é São João del-Rei. Mas o mérito não é tentação para essas linhas discorrerem. O foco é outro. 

O núcleo de povoamento cresceu e se multiplicou; desdobrou-se com os achados auríferos subsequentes. Em 08 de dezembro de 1713, um arraial miúdo e dourado, entre montanhas mineiras e mineradoras foi elevado à vila, batizada com o pomposo nome de São João del-Rei. Por isto hoje comemoramos seu aniversário: 304 anos, que na verdade são mais. O aniversário comemorado a cada 08 de dezembro é como o de uma pessoa, que depois de vários anos de nascida, fosse então tirar a certidão de nascimento, sem data retroativa. Tal aconteceu com este núcleo urbano, festejado somente a partir da oficialização. 

 
A cidade expandiu e hoje é reconhecida por sua cultura e patrimônio, inseparáveis. Tem uma cara, uma fisionomia, um modo de ser, de viver, uma identidade. E isto, em plenitude, compõe seu mais tenro patrimônio: o humano! São João del-Rei não é nada sem o são-joanense. O maior patrimônio é a pessoa e ponto final. Terra de personalidades eminentes, artistas, mestres, sábios, estudiosos, músicos, artesãos, ferroviários, operários. Povo acolhedor. Gente simples e culta. Quem cultua sua cultura é culto!

São João é uma cidade poética. Cada novo ano de sua história é um verso a mais em sua poesia em permanente construção. Ao se passear pelas ruas antigas ou pelas novas, pelo núcleo histórico ou pelos arrabaldes, por uma caminhada em qualquer bairro que seja, se observa a velha e a nova cidade, cada uma de per si com sua característica, que no todo é a mesma São João del-Rei, multifacetária. Não se pode equiparar o todo só pela identidade do núcleo histórico. Ele é absolutamente fundamental, mas a cidade de fato palpita além dele. Por toda parte tem seus problemas, mas ainda assim a amamos. Qual é a identidade de São João del-Rei? Aposto no plural.

O tão decantado patrimônio cultural são-joanense pode ser entendido noutra dimensão, aquela que de fato vivifica as cidades. O valor do patrimônio imaterial ou intangível é alvo de atenções há bastante tempo; contudo, parece inegável que num grau bem menos intenso que o do material ou tangível. Quase automaticamente acostumamos nos referir às edificações como patrimônio, mas há pouco foco nas manifestações. A observação deve ir além das belas construções! 

O casario, o largo, as ruas e os templos formam o ambiente urbano; a paisagem, como a esplêndida Serra do Lenheiro, forma a moldura, encaixando-se. Mas uns e outros seriam como uma bela vitrine se não houvesse o patrimônio imaterial. A cidade, por mais preservada que esteja ou que estivesse, sem sua vida cultural é como uma maquete. Vivemos em uma cidade cenário, não em uma cidade cenográfica. Os cidadãos compõe o mosaico dessa cultura riquíssima. Nas lendas e mitos refletem suas crenças, medos e interpretações do mundo. Na sua fé, nos seus ritos e cerimônias se sintonizam com o sagrado. Nas simpatias e benzeduras buscam alívio. Nas diversões se confraternizam e socializam. É preciso andar por aí com todos os sentidos aguçados, e porque não dizer, até com o sexto sentido aflorado. Naquela esquina contam que viram uma assombração. Se lembrar disso e passar por lá, pode até sentir um arrepio! O barroquismo deixou suas marcas como se fosse um carimbo. E junto a este sinal de presença, outras influências e correntes culturais antecederam e se sobrepuseram, numa mescla imensurável.


A cultura perpassa desde a visão focal de um detalhe arquitetônico até a visão global da vida contida no lugar. Enfim, no todo, o que o bem contemplado proporciona para a identidade daquela comunidade. A partir dessa perspectiva a cultura e o patrimônio podem ser entendidos com o sentimento e este com os sentidos: 

Olfato: a contemplação das manifestações passa pelo aroma dos temperos típicos, da culinária tradicional; da identificação de ervas de tempero ou medicinais através do odor característico; pelo fedor da pólvora queimada nos foguetórios das alvoradas e procissões; o ar olorífico dos templos de piso revestido de folhas de rosmaninho; das ervas de Oxalá de um amaci; das folhas de guiné e arruda que fervem num banho de descarrego; da madeira serrada pelo carapina que repara um telhado; um cheiro do rapé trazido numa latinha no bolso ou do fumo do cigarro de palha; das misturas de uma garrafada para bronquite; as defumações nos terreiros; a cera de carnaúba aplicada ao assoalho dos templos; o cheiro tentador dos doces que borbulham em fervura nos tachos; da cachaça que da roça veio à cidade ...

Tato: o devoto não se limita a orar diante de uma imagem; tem que passar a mão nela, tocar, beijar-lhe a fita atada ao seu corpo; esfregar a bandeira da folia de Reis sobre uma parte doente do corpo para Santos Reis trazer o alívio e a cura; passar a bandeira do congado em volta da cabeça para limpar a aura; é preciso bater a testa no mastro para buscar forças, ou o pé esquerdo na encruzilhada para afastar malefícios. A mão corre sobre a lápide como se assim o saudoso estivesse mais perto do ente querido sepultado. Um giz ou um pincel risca o chão para esquadrejar o jogo da amarelinha. Sentir a serragem correr entre os dedos na elaboração de um tapete de rua. Pessoas se cumprimentam, estendem a mão. Um abraço fraterno... Um toque gentil no ombro... 

Paladar: a culinária típica e seus inúmeros desdobramentos _ o quentão da festa junina com seu sabor marcante de gengibre; o cafezinho que o cidadão comum toma no bar da esquina, como parte de sua rotina urbana; o bolinho de feijão que ali mesmo abrevia o tempo de espera do almoço; o sabor da amêndoa encartuchada ou do doce de leite mexido num velho tacho, segundo receita ancestral; as frutas típicas de cada estação, algumas incomuns, que o mercado tem à venda; as peculiaridades de sabor dos queijos regionais (frescos, meia cura e curados, ou os saborizados com temperos); o almoço confraternizador da Festa do Divino; o delicioso café da manhã das Festas do Rosário entre os irmãos congadeiros; o torresmo; o coquinho que se quebra com pedra para extrair a castanha; a pipoca comprada no carrinho típico na porta do cinema ou do teatro; o algodão doce espetado numa haste, apregoado com o fon-fon de uma buzina ... 

Audição: cidade sonora! Veículos, cães vadios ladrando pela rua, bêbados proferindo impropérios, acordes de um piano extravasam por uma vidraça, pois lá dentro alguém executa uma peça que ouvimos ao passar pela calçada. Batucadas ensaiam um bloco. Foguetes anunciam a chegada da procissão; fiéis gritam: "viva!"; a menininha pede à mãe para comprar um balão colorido; o pedinte implora um óbolo pelo amor de Deus; os sinos convocam os devotos à celebração; a sanfona harmoniza o canto do calangueiro; na folia de Reis a viola caipira geme louvores; no congado, tambores troam resistência. Nos coros, vozes e violinos saúdam ao Criador. Sobre velhos paralelepípedos marcha a banda, soprando partituras. Matraca bate estrepitosa na quaresma (*). Um aviso sonoro na padaria anuncia que está pronta uma nova fornada de pão de queijo. Maria fumaça, vai partir! Seu apito já anunciou. A sirene da fábrica de tecidos marca o horário dos trabalhadores e até por extensão dos afazeres domésticos _ a zoada dos teares não para _ dia e noite seu som acelerado marca os transeuntes da "Rua das Fábricas". Passa um vendedor empurrando um carrinho: "ao picooooo...lééé!" O bolinheiro ainda apregoa em nossa memória: “bo-li-êêê... ro!” Lá no morro zoa "atabaca": é seu Tranca-ruas que vai arriar!

Visão: pipas colorem o céu, bailam ao vento, se esquivam para lá e para cá; as árvores da praça se pintam de flores em cada estação própria. O ipê chove flores no chão. O velho telhado ondula curvas de barro. A imagem do santo aponta o dedinho para o céu. Torres sacras verticalizam a cidade. O anjinho barroco, de bochecha gorda, sorri para nós e nós com indiferença não sorrimos de volta, o cumprimentando. O sacerdote vem pela calçada, de sisuda batina preta... "_ a bênça! _ Deus te abençoe, meu filho!"  Na porta do bar se vê os mesmos de sempre, contando lorotas e xingando o juiz de futebol. Fitas esvoaçam no estandarte do cortejo imponente. A jovem passa fantasiada para compor uma ala de escola de samba. As fachadas se sequenciam, coladas como gêmeos siameses. As montanhas da Serra guarnecem a urbe e ao poente, o sol pende por detrás do Morro das Almas. Na aurora as ruas estão enevoadas, os casarões históricos se revestem de mistério, como se mergulhados em brumas de um passado inimaginável, inconfidente! A cidade é movimento: passa uma carroça; vai um ciclista;  talvez um cavaleiro, ou (quem sabe!), um anjo de procissão. Evangélicos seguem concentrados para o culto ao Senhor. Vem um trabalhador de volta da faina, carregando sacolas de compras. Passa um pescador de fisionomia frustrada. Carrega seu molinete e embornal (Rio das Mortes morreu...). 

Tudo e todos compõem esta cidade. Páginas e páginas se encheriam de exemplos, cada qual mais poético que o outro. Nunca lembraríamos de tudo. Sempre alguém diria que isto ou aquilo é mais importante. O fato é que a cidade vive! Transborda vida e sugere vivências e percepções! É preciso experimentá-la em tantas possibilidades. Renasce todo dia, recria seu modo de viver e reviver; o cidadão fornece identidade à cidade e é por ela também identificado. Uns e outros se completam por interação.

Para entender isso é preciso sentir. Para sentir é preciso amar. O homem automatizado em seu agir se afasta destas experimentações, verdadeiras alquimias para a alma. Parabéns, São João del-Rei, por seus três séculos bem vividos!  

1- "O casario, o largo, as ruas e os templos formam o cenário".

2- "A esplêndida Serra do Lenheiro, forma a moldura".

3- "As árvores da praça se pintam de flores em cada estação própria."

4- "Lá no morro zoa "atabaca": é seu Tranca-ruas que vai arriar!"

5- "A culinária típica e seus inúmeros desdobramentos".

6- "O algodão doce espetado numa haste, apregoado com o fon-fon de uma buzina ... "

7- "Um giz ou um pincel risca o chão para esquadrejar o jogo da amarelinha"

8- "São João del-Rei não é nada sem o são-joanense" 

9- "É preciso bater a testa no mastro para buscar forças"

10- "Esfregar a bandeira da folia de Reis sobre uma parte doente do corpo para Santos Reis trazer o alívio e a cura"

11- "A observação deve ir além das belas construções."

12- "Para entender isso é preciso sentir. Para sentir é preciso amar".

13- "Quem cultua sua cultura é culto".

14- "É preciso andar por aí com todos os sentidos aguçados"

15- "O ipê chove flores no chão"

Notas e Créditos

* A frase "Matraca bate estrepitosa na quaresma" foi inspirada no verso "Bate rebate a ossuda matraca", do poema "Encomendação das Almas" (1959), de Altivo Lemos Sette Câmara. 
** Texto: Ulisses Passarelli
*** Fotografias: 3, 5, 6, 7, 9, 10, 12 Ulisses Passarelli; demais fotos, Iago C.S. Passarelli

Última revisão e melhoramentos: 11/07/2024

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Festa do Rosário, Rio das Mortes, 2017

É difícil descrever uma Festa do Rosário. Ao olhos leigos ou apenas desatentos são todas iguais a não ser por pequenos detalhes: novena ou tríduo preparatório, mastro, alvorada, congados pelas ruas - com seu colorido e batuque, cantorias e danças - missas, recolhimento de reinado, chamada de reis e rainhas, procissão, fogos de artifício e despedidas. 

Igreja de Santo Antônio de Pádua e cruzeiro em seu adro. 

De fato este é o arcabouço básicos desses festejos. Contudo, tal visão simplista obscurece a verdadeira riqueza do evento religioso e da cultura popular a ele conjugado, sincronizado, harmonizado. 

Detalhe do mastro de Nossa Senhora do Rosário. 

Em cada festa podemos perscrutar as nuances da tradição e no distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, em São João del-Rei, a comemoração congadeira em honra ao rosário de Nossa Senhora está de tal forma entranhada, intrínseca na população, que se tornou um atrativo ímpar, uma marca identitária, quiçá a mais característica. 

Vista tomada do coro, vendo-se congadeiros cantando após a
celebração da missa, sob apreciação de muitos devotos e visitantes. 


Famoso por ser a terra da Beata Nhá Chica, a vila está a cerca de 10 km de sede municipal, junto à BR-265, ocupando a extensa várzea do Rio das Mortes Pequeno, afluente da margem esquerda do Rio das Mortes. A localidade outrora era formada de pequeno aglomerado de casas em estilo rural, ao redor de uma praça plana e gramada, hoje está em adiantado processo de urbanização e modernização do casario. Era típica a criação de galinhas e porcos no centro do distrito, em comum. Tal aspecto se diluiu com o tempo e uma primeira mudança significativa aconteceu na década de 1970 com a implantação do distrito industrial nas imediações. Na década seguinte foi impactante na vida social e econômica local a passagem da Ferrovia do Aço, trazendo para a área novos moradores e influências. Também merece destaque a passagem por dentro da vila da Estrada Real, especificamente do Caminho Velho, primitivo Caminho Geral do Sertão, que ainda possibilita uma pitoresca caminhada contemplativa da história, desde os bandeirantes aos dias atuais. 

Vista tomada do coro, vendo-se o congo saindo da igreja para a praça. 

Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno foi grande produtor de sabão de bola, o famoso sabão artesanal tão típico e de uso popular. Também se destaca em várias expressões do artesanato e na produção de queijo. Hoje boa parte da população é flutuante, deslocando-se diariamente à cidade para trabalhar. 

No final das filas de dançantes, crianças se esforçam em movimentos
ágeis e sincronizados. 


Outro aspecto da dança das crianças.  
No campo cultural merece destaque a atividade musical, tradicionalíssima, contando a centenária corporação musical do lugar com orquestra e banda, com registro em 1895, desde então em atividade ininterrupta. É a Lira do Oriente. Outrora eram tradicionais também a folia de Reis, as pastorinhas e a encomendação das almas. Ainda se reza e festeja nos cruzeiros, enfeitados fielmente no mês de maio. O carnaval é sempre muito animado, com agremiações locais fazendo concorrido desfile. 

Banda Lira do Oriente durante a posse dos reis e rainhas.  

Centenária Banda de Música Lira do Oriente, força cultural marcante
no distrito.  

A festa do padroeiro Santo Antônio de Pádua é um marco anual indelével, que mobiliza a devotada população. As comemorações de Nhá Chica também tomam vulto e o turismo religioso desponta como uma alternativa econômica muito importante, que decerto ainda tem muito que crescer. A capela dedicada à beata vai em adiantado estado de obra, junto às ruínas da Igreja Velha, local de grande importância arqueológica.

Marcha de rua durante o recolhimento do reinado.

Movimentação durante a marcha de rua.   
O povo acolhedor, munido de grande fé, cioso da preservação de suas tradições, se irmana nas ruas pelos festejos anuais do Rosário. A criançada acorre ao parque de diversões e atiça os mouros do congado com provocações, pelo simples prazer de deles correr temerosos da sua espada de madeira. A igreja, muito bem conservada, fica lotada de visitantes e gente em prece. Pelas barracas de comes e bebes também se avista muitas pessoas. A socialização é evidente. Por toda parte alegria, bate-papo, descontração e amizade.

Os mouros, "Pirata" e "Silo". 

Cercadores: impedem os mouros de tirar a coroa da reinado com a espada. 

A passagem do congo agita e logo muita gente os acompanha rua afora, observando as peripécias dos mouros e apreciando a cantoria afinada dos soldados do rosário. Capitão Pedro maneja a bengala enfeitada comandando a notável congada. Ele e seus irmãos, demais familiares, parentes e amigos, formam um grupo coeso, que bem caracteriza o sentido de irmandade. A muitas e muitas décadas mantém a congada, que já ultrapassou a contagem secular dos anos. 

Capitão Pedro: tradição, sabedoria e fé - atributos de um grande líder.

Reis e rainhas descem em cortejo até o adro, cingidos de coroa e trazendo espórtulas, recolhidas no momento da chamada, recebendo como mimo o costumeiro cartucho de amêndoas. A sineta bate e a quantia é anunciada de público. Sobre o coroado é aspergida água benta. A banda, posicionada adrede, irrompe num pequeno trecho de marcha festiva: posse de reis e rainhas. 

O reinado.  

Chamada e posse dos reis e rainhas.  
Opas, ciriais, turiferários, carregadores de andor... um perfume de incenso rescende no ar. Foguetes daqui e dali. O sino dobra. A Senhora balanceia no andor florido. O povo ora e se persigna. Viva o Rosário de Maria!

Andor de Nossa Senhora do Rosário durante a procissão. 

Caixeiros fazem vênia durante saudação aos reis e rainhas.  
Festa do Rosário precisa ser acompanhada com os cinco sentidos. Cada qual em seu momento e no todo se completam para caracterizar sua graciosidade, que nos faz esperar saudosos o ano que vem, para de novo participar, cada vez com mais encanto da mesma programação. 

A festa enseja alegria espontânea  e verdadeira.  

Por toda sua riqueza histórico-cultural e pela hospitalidade de seu povo, Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno merece ser visitada. A título de encerramento o vídeo lincado a seguir revela alguns momentos flagrados durante o recolhimento do reinado pelas ruas do histórico distrito, berço de riquíssima cultura. 



Notas e Créditos

* Vídeo e fotografias: Iago C.S. Passarelli
** Texto, acervo e edição de vídeo: Ulisses Passarelli

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Terço a Nossa Senhora do Rosário em São Gonçalo do Amarante

No distrito de São Gonçalo do Amarante, antigo Caburu, em São João del-Rei/MG, Brasil, prosseguem os preparativos para os festejos de Nossa Senhora do Rosário pela comunidade e sobretudo pelos congadeiros. 

No último domingo, dia 01 de outubro, antecedendo em uma semana ao dia maior, o terno de congo local marchou pelas ruas do distrito para recolher a imagem de Nossa Senhora do Rosário, que esteve em visita às casas dos congadeiros, entre 17 e 30 de setembro e a trouxe de volta à Gruta do Divino Espírito Santo, onde às 19 horas, congadeiros e comunidade se reuniram na reza do terço. 

As imagens abaixo revelam alguns instantes desse momento das comemorações do reinado. 

Os preparativos continuam amanhã, dia 05 de outubro com o início do tríduo a Nossa Senhora do Rosário, às 19 horas, logo após a celebração da missa dedicada a São Benedito. 










Notas e Créditos

* Fotografias: Dorival Caim de Paula, que gentilmente as ofertou para esta postagem. Registre-se a gratidão do Blog Tradições Populares das Vertentes. 
** Texto: UIisses Passarelli

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Reinado em Ritápolis

Transcorreu com grande animação mais uma vez o festejo do Reinado de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito em Ritápolis/MG, Brasil, concluído com o dia maior no último domingo, dia 1º de outubro. 

Na Igreja do Rosário concentraram-se os congadeiros _ além dos dois ternos locais, um do distrito da Restinga, um de São João del-Rei (Bairro Matosinhos) e o Moçambique Santa Efigênia, que mescla componentes de São João del-Rei e Santa Cruz de Minas. Dois mastros estavam fincados no adro, um de cada lado, dedicados à Virgem do Rosário e a São Benedito. 

As celebrações foram primorosamente presididas pelo pároco, Padre Nélio José dos Santos, que trata aos participantes com notável respeito e carinho, sendo seu apoio fundamental ao êxito dos festejos. Além disto, a festa se constrói com o apoio da Prefeitura Municipal, da incansável comunidade e sobretudo dos congadeiros. 

Como de costume, houve grande fartura alimentar, ofertada aos irmãos do rosário dançantes nos ternos de congado _ café da manhã, almoço e lanche da tarde. 

O reinado foi recolhido a partir da Igreja de São Pedro e São Paulo, até a do Rosário, chamando em especial a atenção o esmero das vestimentas e a dignidade da corte. Destaque para a Rainha Conga Dona Sebastiana, uma verdadeira pérola, com seus sessenta anos de reinado segundo informações orais de congadeiros ritapolitanos. 

A procissão foi por demais concorrida e por longo trajeto transitou por ruas adornadas, ao troar de tambores, sob cânticos devotos e espoucar de fogos de artifício. 

Ritápolis se destaca nas tradições culturais com seus congados e folias, a banda de música, a tradição das queimas de judas na zona rural e um animado carnaval, que se encerra com chave de ouro com o Enterro do Zé Pereira. Situada no Campo das Vertentes, banhada pelo Rio das Mortes, é localidade surgida nas primeiras décadas do século XVIII, à margem da Picada de Goiás. Sob as bênçãos de sua padroeira, Santa Rita de Cássia, a cidade recebe anualmente uma multidão de devotos em seu jubileu de maio; preserva ainda parte significativa do casario antigo e com suas belas tradições e povo acolhedor, merece ser visitada. 

Fazemos votos que as festas congadeiras perserverem por anos ilimitados, mantendo firme a tradição dos antepassados. 

Igreja do Rosário de Ritápolis, vendo-se os dois mastros nas laterais do adro. 

Congadeiros da Restinga cantam agradecendo almoço. 

Capitãs Adelita e Juliana, do Congado Divino Espírito Santo e Nossa Senhora do Rosário,
de Ritápolis, ladeando a Rainha Conga Dona Sebastiana. 

Moçambique Santa Efigênia, sob o comando dos Capitães Tadeu e Danilo.
 
Congado São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, de Ritápolis,
durante a procissão, adiante do Reinado. 

Andores de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito após a procissão. 

Prefeitura Municipal (imóvel à esquerda da foto), casario
e Santuário de Santa Rita de Cássia.

Igreja de São Pedro e São Paulo. 

Notas e Créditos

* Texto e fotografias: Ulisses Passarelli