Bem vindo!

Bem vindo!Esta página foi criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas, tampouco acadêmicas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




quarta-feira, 5 de março de 2025

Bloco da Burrinha de Alto Rio Doce, Zona da Mata

 

De início é fundamental observar algumas informações panorâmicas sobre o município, extraídas do portal do IBGE: população estimada em 2024 de 10.994 pessoas; densidade demográfica em 2022 de 21,02 hab./km2. Gentílico alto-rio-docense. Área municipal 518,053 km2, sendo a área urbanizada de 2,37 km2. Está inserido na Mesorregião Zona da Mata, Microrregião de Viçosa, Zona Intermediária e Zona Imediata de Barbacena. O bioma predominante é a Mata Atlântica. O gado leiteiro e a produção de carvão vegetal são expressivos no município. Na agricultura o cultivo de cereais tem seu expoente no milho, seguido do feijão; entre as lavouras permanentes o destaque é a tangerina e nas temporárias, a cana de açúcar (BRASIL, 2025).

Um resumo do histórico, segundo a mesma fonte é o seguinte:

antes da colonização, era habitado por índios Croatas e Puris, de origem Tupi, espalhados por toda a região. Os primeiros exploradores vieram de Guarapiranga, atual município de Piranga. Desceram pelo Rio Espera e daí subiram pelo Rio Xopotó, objetivando a exploração de minérios. Em 1711, o Alferes Francisco Soares Maciel, líder de uma bandeira, chega à região do Xopotó e funda um dos primeiros arraiais da região, denominado São Caetano do Xopotó. Este arraial trouxe ainda mais exploradores que se espalharam e se fixaram às margens do Rio Xopotó, criando novos povoados.
Em 1759, quando José Alves Maciel chegou à região, esta já se encontrava habitada por bandeirantes e índios Croatas e Puris. Tais terras haviam sido doadas para José Alves Maciel pelo Rei de Portugal, recebendo do Governador interino, José Gomes Freire de Andrade, uma sesmaria, denominando sua residência Xopotó. Acima, mais tarde, casou-se com D. Vicência Maria de Oliveira, mulher que muito influenciou para a construção da primeira capela e a doação de terras para a atual cidade de Alto Rio Doce. A sesmaria de terras doada a José Alves Maciel transformou-se em fazenda e passou a denominar-se Fundão e posteriormente, com a construção da capela, passou a chamar-se Sítio São José. Com a fixação de mais moradores, fundou-se o povoado de São José do Xopotó, em 19-03-1764, onde foi construída a primeira Capela de São José, no alto do Morro Seco, desenvolvendo ali o povoado núcleo da cidade. Em 1820 foi construída pelos moradores uma capela maior no lugar onde hoje está a Igreja Matriz. Em 1830 a Capela foi elevada a Curato, e em 1832 o Curato foi elevado à Freguesia, tendo as Capela de Desterro do Melo, Rio Espera, São Caetano e Senhora dos Remédios como filiais. A Paróquia foi instituída em 1833, tendo o Padre Agostinho Cezário de Andrade como seu primeiro Pároco. Em 1882 a Capela foi demolida e foi construída em seu lugar uma Igreja de duas torres. Entre 1917 e 1919 essa Igreja foi demolida e construída a atual Igreja Matriz de São José pelo Padre Messias de Senna Batista. O nome de São Sebastião do Xopotó, permaneceu até a emancipação política do Município. Quando foi elevado à categoria de Vila, a Sede Municipal passou a denominar-se Alto Rio Doce, por ser naquela época a mais alta cidade localizada na zona das cabeceiras(nascentes) do Rio Doce. O povoado foi elevado a Vila com o nome de Alto Rio Doce através do Decreto n° 26, em 07-03-1890. Em 24-05-1892, foi elevada a categoria de Cidade. (BRASIL, 2025).

Sobre a sua história administrativa consta que:

Freguesia com a denominação de São José do Xopotó, pelo Decreto de 14-07-1832 e pela Lei Estadual n° 2, de 14-09-1891. Elevado à categoria de Vila com a denominação de Alto Rio Doce, pelo Decreto Estadual N° 26, de 07-03-1890, desmembrado do Município de Piranga. Sede na antiga povoação de São José do Xopotó. Constituído de 3 Distritos: Alto Rio Doce (ex-São José do Xopotó), Dores do Turvo e São Caetano do Xopotó. Instalado em 30-08-1890.Elevado à condição de Cidade com a denominação de Ato Rio Doce, pela Lei Estadual nº 23, de 25-05-1892. Em Divisão Administrativa referente ao ano de 1911, o Município é constituído de 3 Distritos: Alto do Rio Doce, Dores do Turvo e São Caetano do Xopotó. Nos quadros de apuração do Recenseamento Geral de 1-09-1920. Pela Lei Estadual n° 843, de 07-09-1923, Alto do Rio Doce, adquiriu do Município de Barbacena o Distrito de São Domingos de Monte Alegre.
Em Divisão Administrativa referente ao ano de 1933, o Município é constituído de 4 Distritos: Alto Rio Doce, Dores do Turvo, São Caetano do Xopotó e São Domingos do Monte Alegre. Assim permanecendo em Divisões Territoriais datadas de 31-12-1936 e 31-12-1937. Pelo Decreto-Lei Estadual N° 148, de 17-12-1938, é criado o Distrito de Abreus e anexado ao Município de Alto Rio Doce. Sob a mesma Lei supracitada desmembra do Município de Alto Rio Doce o Distrito de Dores do Turvo, para formar o novo Município de Senador Firmino (ex-Conceição de Turvo). E, ainda o Distrito de São Caetano do Xopotó passou a chamar-se Cipotânea e São Domingo de Monte Alegre tomou a denominação de São Domingos. No quadro fixado para vigorar no período de 1939-1943, o Município é constituído de 4 Distritos: Alto do Rio Doce, Abreus, Cipotânea e São Domingos. Pelo Decreto-Lei Estadual n° 1058, de 31-12-1943, o Distrito de São Domingos passou a chamar-se Missionário.
No quadro fixado para vigorar no período de 1944-1948, o Município é constituído de 4 Distritos: Alto do Rio Doce, Abreus, Cipotânea e Missionário. Assim permanecendo em divisão territorial datada de 01-07-1950. Pela Lei Estadual n° 1039, de 12-12-1953, desmembra do Município de Alto Rio Doce o Distrito de Cipotânea. Elevado à categoria de Município. Em Divisão Territorial datada 01-07-1955, o Município é constituído de 3 Distritos: Alto do Rio Doce, Abreus e Missionário. Assim permanecendo em Divisão Territorial datada de 01-07-1960. Pela Lei Estadual n° 2764, de 30-12-1962, é criado o Distrito de Vitorinos e anexado ao Município do Alto Rio Doce. Em Divisão Territorial datada de 31-12-1963, o Município é constituído de 4 Distritos: Alto Rio Doce, Abreus, Missionário e Vitorinos. Assim permanecendo em Divisão Territorial datada de 2007. (BRASIL, 2025).

            A drenagem fluvial do município faz parte da bacia doceana, “banhado pelos rios Piranga, Xopotó, Mutuca, Brejaúba” contando com o atrativo paisagístico de diversas quedas d’água, sendo favorecido pela amenidade climática (temperado úmido). Tanto mais, destacam-se os “eventos voltados para gastronomia tais como: Festival de Angu, Festival de Cachaça e Festival de Gastronomia na modalidade comida de boteco” (MINAS GERAIS, 2025).

O brasão municipal destaca a agropecuária (ramos de café e milho; cabeça de boi) e a devoção católica a São José, padroeiro do município. (ALTO RIO DOCE, 2025).

No campo da cultura popular é tradicional a congada (marujos) do distrito de Missionários. Já no decorrer do carnaval o “Bloco da Burrinha” reúne grande quantidade de participantes e acontece desde 1968. Atualmente o bloco desfila em três dias sucessivos: domingo, segunda e terça de carnaval, denotando sua grande popularidade.

Em linhas gerais atende ao padrão geral dos Ranchos de Boi brasileiros, com desfile alegre, descontraído, que reúne fantasiados de todo tipo, e o boi ao centro fazendo correrias de pega nos foliões incautos ou naqueles provocadores. Junto a este núcleo surgem outros personagens gravitando em torno da movimentação do boi. No caso específico de Alto Rio Doce, são vários bois e burrinhas (ou mulinhas, como ouvimos foliões também a chamarem), além de diversos bonecos gigantes. Embora sejam personagens comuns a outros blocos ou ranchos equivalentes, neste município em especial a burrinha se sobrepôs em preferência à nomenclatura da manifestação cultural, um fato incomum. No geral é o boi que polariza o nome do grupo.

Ao observar as alegorias algumas características afloram de imediato. Os bonecos tem estrutura corporal simples, trajes imitando a roupa humana (calça, camisa, vestido) em grande tamanho; mas a cabeça tem aspecto aprimorado, sendo possível reconhecer as fisionomias que retratam, de personagens reais ou fictícios. Os bois e burrinhas possuem o mesmo sistema construtivo: armação metálica leve, fina, revestida de tecido de cor intensa. O brincante fica dentro da alegoria até a altura da cintura e o restante do corpo de fora, como se cavalgasse o boi ou a burrinha. Essa leveza estrutural e a cabeça totalmente para fora (o que dá boa visão), favorece as corridas atrás das pessoas. No geral os bois tem o chifre longo, bem arqueado, em forma de meia lua. Todos tem cabeça de pano, o que também contribui para a leveza da alegoria. Todo dançante de um boi ou de uma burrinha veste-se com calça e blusa de corte simples, tosco no acabamento, em tecido ramado ou florido (chitão) e invariavelmente mascarado. As máscaras observadas são de feitura industrial, em látex, silicone ou acetato, representando monstros e outros seres bestiais. É provável que esses aspectos representem processos de alteração evolutiva, favorecida pelas múltiplas possibilidades de material industrializado facilmente disponível, mais acessíveis, e já praticamente prontos, em relação ao grande trabalho manual para produzir cabeças de bois a partir de caveiras, armações trançadas de bambu e máscaras a partir de pedaços de couro.

A parte musical fica a cargo de uma banda de música, acompanhada de bateria de percussão. Tocam marchinhas carnavalescas durante o cortejo. Não observamos canto específico.

Uma característica observada em Alto Rio Doce é o translado das alegorias e músicos antes do desfile. Na tarde, carros e ônibus atravessam a cidade carregando-os, sob o som de buzinas e sirenes, como que emitindo um alerta de preparação a chamar a atenção das pessoas. Dentro dos ônibus os percussionistas põem-se em batucada. Bois, burrinhas e gigantes vem em uma carroceria de caminhão. O cortejo motorizado atravessa diversas ruas e se concentra em um dos extremos da cidade. Na hora aprazada, partem de volta pelas ruas com os veículos, para o outro extremo da cidade, próximo ao cemitério. No largo fazem a concentração final antes da saída. Descem todos dos veículos e de pés no chão vão preparar-se dentro das alegorias, vestir as máscaras, dar vida aos bonecos. Músicos aprontam os instrumentos, afinam, aquecem os tambores. Há muita agitação, principalmente dos jovens, que formam uma grande massa de foliões. A animação toma conta do ar.

Vídeo 1: cortejo motorizado, trazendo foliões diversos, músicos e alegorias. 

Autor: Betânia Nascimento Resende, 03/03/2025

O cortejo inicia a descida ao centro da cidade. Na ladeira, já os bois e burrinhas disparam desenfreados na frente, pondo em corrida uma multidão de crianças até a praça onde está a Prefeitura e o Fórum. Os bonecos descem no meio do cortejo, devagar, com dança comedida e compassada. Um mais habilidoso faz corrupios com a grande estrutura de um boneco. Na retaguarda os músicos. E o povo folião ao redor, por toda parte. A alegria é contagiante, o ritmo envolvente. Uns jogam confete, outros, espuma de spray. Há muitas pessoas com fantasias variadas, mas nota-se ser comum as fantasias de “coelhinho” por parte das jovens.

O desfile segue ao lado da Igreja Matriz e vai até a Capela do Rosário, junto ao coreto. Param ali por um tempo. Há muita gente reunida naquela praça, que os estava esperando. Igualmente pelas calçadas, pessoas em aguardo do cortejo passam a acompanhar na passagem do grupo de foliões, que desta forma vai se encorpando.

Depois descem a grande ladeira ao centro e vão por fim em direção à área próximo a Rodoviária para o encerramento.

Não restam dúvidas ao contemplar este folguedo acerca de sua tradicionalidade e o aspecto identitário com o povo alto-rio-docense. O envolvimento da parcela juvenil e infantil da cidade faz antever a esperança de continuidade com o passar dos anos; a grande quantidade de pessoas à margem das calçadas ansiosas pelo cortejo demonstra com clareza o senso de pertencimento. A própria ornamentação carnavalesca das ruas por parte da Prefeitura Municipal remete à estética do Bloco da Burrinha. Tudo isto se soma para demonstrar as características imateriais desse genuíno patrimônio cultural de Alto Rio Doce.

Referências

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE: Alto Rio Doce. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/alto-rio-doce/panorama   Acessado em: 04 mar. 2025.

MINAS GERAIS. Portal Minas Gerais: Alto Rio Doce. Disponível em:  https://www.minasgerais.com.br/pt/destinos/alto-rio-doce   Acessado em: 04 mar. 2025.

ALTO RIO DOCE. Site Prefeitura Municipal. Disponível em: https://www.altoriodoce.mg.gov.br/portal/servicos/1011/simbolos-oficiais/    Acessado em: 04 mar. 2025.

Créditos

Texto: Ulisses Passarelli

Fotografias (03/03/2025): Ulisses Passarelli (1 a 17) e Betânia Nascimento Resende (18 a 27).

Informantes locais: irmãos Márcio e Edmilson Teixeira Guimarães, sobrinhos de um dos fundadores, Zé Marcelo. Agradecemos a gentileza da atenção e informação.  

1- Brincante em uma alegoria de boi. 

2- Diversidade de bonecos.

3- Boi mocho (sem chifres). 

4- Burrinha. 

5- Boneco representando Zé Marcelo, um dos fundadores. 

6- Mais um boi. 

7- Bonecos em ação durante o desfile.
Aos fundos, o imponente prédio do Fórum. 

8- Traje típico e riqueza de movimento. 

9- Cortejo ganha as ruas, enchendo-as de alegria. 

10- Bloco na rua une a contemplação do patrimônio material e imaterial. 

11- Desfile diante do prédio escolar. 

12- Detalhe de um boneco. 

13- Boneca ornamentada com adereços carnavalescos. 

14- Coreto ornamentado; banner tematizado no Bloco da Burrinha. 
O coreto funciona como base de sonorização. 

15- As crianças iniciam na brincadeira. 

16- Criança descansa sentada sobre um boi. 

17- Placas de ornamentação carnavalesca na via pública,
tematizadas no Bloco da Burrinha. Ao fundo, a Igreja Matriz de São José. 

18- Boneca inspirada na "Rainha de Copas", personagem 
do conto "Alice no País das Maravilhas". 

19- Boneca com adereço de cabeça que lembra uma "Melindrosa". 

20- Bonecos ao lado da Igreja Matriz. 

21- Detalhe da banda. 

22- Bateria e Igreja Matriz. 

23- Cores vivas são onipresentes. 

24- Folião com camiseta alusiva ao nome do bloco.

25- Detalhe do sistema de cavalgadura: uma haste transversal é segura 
para ajudar no guiamento da alegoria; suspensório a mantém nos ombros;
estrutura vazada permite o folião ficar com meio corpo para fora e outra
metade para dentro, com os pés no chão; parte interna não visível por conta do tecido
que imita o couro. 

26- Ornamentação da Praça do Rosário. 

27- Outro aspecto da ornamentação. 
 
Início do desfile do Bloco da Burrinha. 
Vídeo: Ulisses Passarelli, 03/03/2025.


Assista também: 

https://www.instagram.com/p/DGv6GR6vVow/  



terça-feira, 4 de março de 2025

Bloco do Boi de Arantina, sul mineiro

          O município de Arantina está situado na Mesorregião Sul/Sudoeste de Minas, Microrregião de Andrelândia, Região Intermediária e Imediata de Juiz de Fora. A população estimada para 2024 era de 2.991 pessoas, com densidade demográfica de 32,60 hab./km2, área de 89,420 km2. A silvicultura é significativa no município, com produção de madeira em tora, lenha e carvão. Outra fonte econômica de destaque é o gado bovino, notadamente o leiteiro (BRASIL, 2025).

A drenagem fluvial é feita pelo Rio Turvo Pequeno, da bacia do Rio Grande, região de terras altas da Serra da Mantiqueira, com ponto culminante na Serra do Caxambu. Algumas cachoeiras e os pontos altos serranos garantem belas paisagens para contemplação e entretenimento. Alguns monumentos (torres da antiga cerâmica, patrimônio ferroviário, capelas e museu) constituem atrativos turísticos (MINAS, 2025).

Como resumo histórico consta que:

Ao redor da estação ferroviária de Arantes, instalada dentro do município de Mantiqueira (hoje Bom Jardim de Minas), surgiu um pequeno povoado. Em dezembro de 1943, o lugar foi elevado a distrito, ganhando a denominação de Arantina. Vinte anos depois, em 01 de março 1962, Arantina ascendeu à categoria de cidade. O Município situa-se junto à zona turística do Circuito das Montanhas Mágicas da Mantiqueira, numa região de transição do planalto de Cruzília, a leste, e o maciço da Mantiqueira, a oeste. Em outubro, a cidade comemora a festa da padroeira, com missas, procissão e outros atrativos para as crianças da cidade e dos municípios vizinhos. A produção anual de leite, na sua quase totalidade são exportados para Bom Jardim de Minas e Andrelândia. A agricultura é a de subsistência. O alto do Curralinho, com 1379 metros de altitude, é seu ponto mais elevado. Pertence a Bacia do Rio Grande, região dos Circuitos das Águas, sua área é de 89,54 Km2. Onde hoje está a sede do município existia um paiol (utilizado para guardar milho colhido) do Fazendeiro Juca Pereira, dono de grande parte das terras onde se localizam hoje as cidade de Arantina e o distrito de Rutilo. Ao redor desse paiol foi erguendo um povoado, que se fortaleceu com a chegada da ferrovia Centro Atlântica. Uma outra empresa que fez com a cidade se mantesse em ritmo de crescimento foi a Cerâmica Nossa Senhora Aparecida, hoje já desativada. O aniversário da cidade é comemorado no dia 01 de março, data sua fundação. Cidades limítrofes, Bom Jardim de Minas, Andrelândia e Liberdade. Gentílico - Arantinense. (BRASIL, 2025).

Arantina tem por assim dizer uma sólida ligação com a ferrovia, e não sem razão, o brasão municipal figura o desenho dos trilhos bem ao centro. Da mesma forma, outros elementos icônicos, como as chaminés da cerâmica, o gado e o esboço das montanhas estão configurados no brasão. Em complemento, este excerto destaca elementos históricos:

O povoamento do lugar teve início no decorrer da segunda metade do século XIX, com a construção do trecho da Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM) que viria a cortar a cidade. Atualmente destacam-se o artesanato produzido no município e eventos realizados anualmente, como o carnaval de Arantina. (...) O povoado se consolidou com a fabricação de cerâmica. Dado o crescimento econômico, pela lei estadual nº 1.058, de 31 de dezembro de 1943, cria-se o distrito subordinado a Bom Jardim de Minas, que recebeu seu nome em homenagem à estação ferroviária. Arantina se emancipou pela lei estadual nº 2.764 de 30 de dezembro de 1962, sendo instalada oficialmente em 1º de março de 1963. (WIKIPÉDIA, 2025).

A cultura popular tem marca forte com as folias de Reis e realização de notável encontro de companhias reiseiras a 06 de janeiro [1]. Outro ponto alto é o carnaval arantinense, que conta com significativo prestígio oriundo dos blocos. Este aspecto encontra-se bastante consolidado e o senso comum de variadas opiniões populares reafirma que o Bloco do Boi é o destaque. Interessante observar que são parcas as notícias do folguedo boi no sul mineiro.

Uma notícia jornalística a propósito informava dessa multidão nas ruas para acompanhar o carnaval de Arantina e as quatro décadas de tradição do Boi elevavam-se numa homenagem ao Sr. Zico, tido como primeiro toureiro do bloco (Correio do Papagaio, 2013).

De fato, é fácil observar a popularidade gigante, não apenas no número de participantes, mas principalmente pela vivência ativa na brincadeira, fantasiados ou não, mas fazendo coro ao insistente grito, cada vez que o boi alivia suas correrias:

“_ Cadê o boi?

  _ Cadê o boi?”

E parte de novo o boi embalado em carreira atrás dos foliões, que disparam pela rua. Em certa medida, guardadas as proporções, faz recordar a festa espanhola do boi de verdade solto pelas ruas ante as provocações e fugas das pessoas.

Mas além da alegoria do boi, também existem as mulinhas e bonecas, que igualmente dão suas trombadas nas pessoas! E o Chico Pança, com seu jeito rechonchudo atiça o boi e toma suas esbarradas, mas ao cair nada sofre, posto que o macacão vermelho que veste é recheado de palha seca de bananeira, que ampara as suas quedas. Muito curioso notar que o Chico Pança veste-se de vermelho, e segundo uma das lideranças do bloco informou, sempre foi assim... O vermelho é a cor tradicional dos toureiros, do pano de provocar o boi. Ao mesmo tempo também recorda que nos rodeios de hoje e nas touradas de ontem, há e havia um personagem chamado genericamente de palhaço, vestido de forma extravagante, acolchoado, que faz escaramuças ante o boi a fim de distraí-lo para livrar peões de sua atenção. Assim, mesmo em formato descontraído, o palhaço funciona na prática como protetor. O Chico Pança recorda um pouco disso e induz uma investigação mais aprofundada se acaso representa uma sobrevivência fragmentada das antigas touradas ou se inspirou nelas.

As bonecas gigantes são personagens relativamente comuns em folguedos de boi em várias partes do país. Em Arantina fica nítido sua feitura artesanal, tendo como base um balaio de taquara, a cabeça feita de uma cabaça, a vestimenta, pintura do rosto e adereços, tudo evoca um aspecto de originalidade, ligado à arte popular. Os braços são articulados no ombro, de tal forma, que o brincante sob a alegoria, puxa por dentro um cordão, que se liga aos braços da boneca e a faz sucessivamente erguê-los e baixa-los. Dois nomes foram informados para as bonecas: Passinha e Maria Comprida.

As mulinhas durante esta observação eram três, armadas ao modo tradicional sob a estrutura de um balaio emborcado, coberto de tecido imitando o couro da alimária. No mais, são adereços que imitam cabresto; pernas de fingimento pendentes nas laterais, e cordões que erguem a estrutura para fixação nos ombros, como um suspensório. Elas também dão seus esbarrões no povo.

O boi propriamente dito tem a mesma estrutura tradicional de outros bois, mas percebe-se que é caracteristicamente alongado. Por isto, em seu próprio giro esbarra nas pessoas, o que faz parte da brincadeira. Nas costas do boi a giba ou cupim típico das raças zebuínas é formado pela própria cabeça do brincante que vai embaixo, coberta pelo tecido como um capuz e o rosto tampado por tecido em tela, que permite a visão relativa para guiar o brincante.

A música o tempo todo é formada por percussão. Uma batucada formada por bumbos e taróis mantém um ritmo contínuo, como uma pulsação para o desfile. Não há canto típico.

Muita gente comparece fantasiada livremente, sem um padrão definido. Mas percebe-se certa quantidade de pessoas vestidas com fardas, a imitar soldados do exército ou dos bombeiros; fantasias de operários, de anjos, de bailarinas, e também, macacões de retalhos, lembrando um pouco alguns trajes de palhaços de folias de Reis.

Entre esses foliões fantasiados com certa frequência observa-se a brincadeira de se derrubar mutuamente, sem nenhuma belicosidade, mera lúdica, ora por se jogar um nas costas do outro, ora por meio de uma rasteira.

Também são comuns os foliões travestidos: homens de mulher, mulheres de homem.

O boi inicia sua concentração diante de um bar na Rua Emília Marx Lacerda, Bairro Lagoão. A batucada já ativa atrai participantes e curiosos. Logo mais se deslocam tocando até uma quadra poliesportiva próxima, onde adentram em concentração. E não demora que encha de gente! Enquanto isto, em canto reservado, os personagens se preparam em suas alegorias. Uma turma ajuda Chico Pança se vestir, revestindo-o de palha. E a alegria completamente descontraída toma conta do ambiente. Muita agitação, e de tanto em tanto gritam pela presença do boi.

Enquanto isto um fato marcante é o arremesso de farinha de trigo. Deliberadamente se jogam farinha, no rosto, na cabeça, até no ar, que fica por alguns segundos, um pouco embaçado pelo pó suspenso. Em especial essa guerrilha de farinha que os informantes garantiram ser muito típica e tradicional, remete de imediato à imagem do velho entrudo, já relatado no século XIX no Rio de Janeiro, artisticamente nas aquarelas do francês Jean Baptiste Debret. Mas não só no Rio de Janeiro, mas de fato o entrudo foi muito popular em várias partes do Brasil; e assim, em Arantina, esta reminiscência se evidencia.

            Ainda pode atestar a popularidade do Bloco do Boi o fato dele sair às ruas por dois dias durante o carnaval, no domingo e na terça-feira. Neste último dia, ao se recolher, costuma-se dizer que vão matar o boi, forma figurada de dizer que ele sairá das vistas do público, posto que seja recolhido até o outro carnaval.

            A presença de jovens é muito marcante no Bloco do Boi, uma presença maciça. Muitas crianças acompanham e do ato do aprendizado pela observação, resultou há cerca de quinze anos o surgimento do “Bloco do Bezerro”, que é uma cópia do Bloco do Boi, no entanto em vez de juvenil é sua versão infantil. Com isto a transmissão do conhecimento toma forma de maneira eloquente, materializada em uma agremiação própria. Até uns anos o Bloco do Bezerro acontecia no mesmo dia do Bloco do Boi, apenas que era de tarde enquanto o do boi à noite. Mas de uns tempos para cá passou a acontecer no sábado e segunda-feira, alternando assim os dias, o que garante que durante a festa toda tem boi.

            Quanto à idade do Bloco do Boi não se pode apurar precisamente a data. Um informante[2], confirmou que tendo morado em Arantina em 1975 presenciou a manifestação cultural, o que a remete a meio século para trás. Um dos organizadores[3] informou a década de 1960 como sendo a da criação, tendo surgido em Arantina mesmo, sem ter copiado de outro lugar, assegurou. A data oscilou em 1964 ou 1969, não soube dar precisão. O mesmo também disse que o Bloco não tem um organizador específico ou liderança única. É uma ação entre amigos, um divertimento coletivo preparado livremente pela comunidade.

            O Bloco do Boi desfila em uma grande giro pelas ruas da cidade. Uma faixa de pano vai estirada na dianteira, segura por dois foliões. O nome do bloco vai escrito entre desenhos de boizinhos. A rua se lota, como uma massa humana centrada no boi, um rancho de alegria agitando a todos por onde passa. 

Referências

MINAS. Arantina. 2025. Disponível em: https://www.minasgerais.com.br/pt/destinos/arantina  Acessado em 03 mar. 2025.

WIKIPÉDIA. Arantina. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Arantina  Acessado em 03 mar. 2025.

BRASIL. Arantina. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2025. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/arantina/panorama   Acessado em 03 mar. 2025.

Tradição dos blocos carnavalescos garantem o sucesso do carnaval de Arantina. Correio do Papagaio, 28 fev. 2013. Disponível em: https://correiodopapagaio.com.br/arantina/noticias/tradicao_dos_blocos_carnavalescos_garantem_o_sucesso_do_carnaval_de_arantina  Acessado em 03 mar. 2025.

Créditos

Texto, fotos e vídeos (02/03/2025): Ulisses Passarelli

Agradecimentos aos informantes, sobretudo, a Ariany Fonseca, pelo acolhimento e a 

Betânia Nascimento Resende, pelo apoio fundamental à concretização dessa pesquisa. 

Vídeos 




Fotografias 

Folião jogando farinha. 

Detalhe da cabeça de uma das bonecas.

Pessoal da batucada. 

O núcleo do bloco em pose fotográfica, reunidas as alegorias. 

A boneca Maria Comprida em movimentação. 

Multidão pelas ruas, acompanhando o Bloco do Boi. 

O boi investe no povo. 

Detalhe de uma das mulinhas. 

Chico Pança. 

O boi. 



[1] Informante: Ariany Aparecida Costa Oliveira Fonseca, advogada, Arantina, em 02/03/2025.

[2] Informante: Luthero Castorino da Silva, ferroviário aposentado, São João del-Rei, em 01/03/2025.

[3] Pedro Iuri, descendente de alguns fundadores do Bloco do Boi: Mário Miquelino (seu avô) e Joaquim (seu tio), que juntamente com trabalhadores da ferrovia se juntaram para iniciar a brincadeira. Ver: https://www.facebook.com/watch/?v=1571054890360757