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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Calango-tango: parte 4

Coletânea de calangos de Barbacena

Em fevereiro de 1996, numa ida à cidade de Barbacena / MG, foi oportuno conhecer uma senhora de prodigiosa memória, coração pleno de bondade e espírito elevado de humanismo. Isto foi possível graças ao apoio do sr. Luthero Castorino da Silva, que naquele ensejo nos pôs em contato e acompanhou com presença muito positiva o diálogo com a saudosa “Dona Josefina”.

Infelizmente, em alguma reviravolta da vida, as anotações daquele dia se perderam para sempre e já não é mais possível dar outros detalhes.

Não obstante esta observação, ficou-nos como ótima impressão a receptividade daquela senhora de grande conhecimento, que na ocasião, de muito boa vontade, espontânea em plenitude, cantou alegremente e dialogou conosco, revelando um sem-fim de composições do cancioneiro popular. Dentre tantos, bastou ser provocada com um versinho de calango para disparar imensa cantoria de memória, fluente, de melodia firme, canto de grande autenticidade, demonstrando domínio do gênero poético-musical em tela.

Seus calangos obedecem a princípio ao estilo do calango solto. Interpõe de tanto em tanto refrões em ritmo mais acelerado, algo bastante peculiar. Um dos refrões que se repete é "tico-tico tá danado na semente do juá", verso também praticado nos calangos fluminenses, como o mostrou FRADE (1986). É uma referência ao esperto passarinho, assaz conhecido Brasil afora. A composição absorve da cultura popular sua linguagem típica (versos e fórmulas-feitas, expressões). Tanto mais, estão impregnados de elementos do mundo rural, algo bem típico do calango. Mesmo vindo para a cidade, esta manifestação folclórica traz a roça dentro de si.

Como sói acontecer com os calangos em geral, os versos da “Linha do A” terminados em verbos, perdem o “R” ou qualquer outra consoante final: contá (contar), imaginá (imaginar); com muitos substantivos acontece o mesmo: jorná (jornal), lugá (lugar). Se assim não fora a rima estaria comprometida e a principal regra do calango descaracterizada. Com a mesma lógica, palavras oxítonas de sonoridade fechada, são facilmente sujeitas a corruptelas de pronúncia, o que muito genérico no falar do mineiro e no calango não seria diferente: tocadô (tocador), (estou), (senhor), (sou). A necessidade de ajuste à métrica obriga o encurtamento de palavras, seja por contração – n’água (na água), qu’eu (que eu), pra (para) – seja por supressão – (está), paia (palha), rodia (rodilha). A regra mor do bom calangueiro é esta: ajustar qualquer pronúncia para não corromper a rima e a métrica.

Sem mais delongas, segue a exposição dos versos coletados. Para maiores detalhes sobre o calango, ao fim desta postagem estão disponíveis links de acesso a outros números desta série. Resta dizer que foram inseridas notas de rodapé contendo comentários sobre detalhes dos versos.

Meu amigo e companheiro,
Agora eu vou lhe contá:
Você pra cantá imagina
Eu canto sem imaginá...

Falei brincando,
No calango da lilia!
Quando eu tô comendo carne
Não gosto que gato mia!

Meu amigo e companheiro
Agora eu vou lhe falá:
Tabulero tá na cabeça
Como letra no jorná!

Falei brincando,
No calango da lilia!
Quando eu tô comendo carne
Não gosto que gato mia!

Quando eu tô comendo carne
Não gosto que gato mia;
Quando eu tô comendo carne[1]
Não gosto que ninguém espia...

 Filho de Maria Lima,
Neto de sô Zé Limá,
Puxa linha, Antenôre[2],
Puxa linha, sô Antená.

Puxa a linha, sô Antenô,
Qu’eu quero te acompanhá!
Você puxa a linha[3] bamba
Eu puxo pra arrebentá;
Você puxa dali pra’qui
Eu puxo daqui pra lá...

Meu amigo e companheiro
Agora qu’eu vô cantá,
Eu sô nêgo do pé grande
Passo n’água sem molhá.[4]

Coisa qu’eu num tenho canseira
É se eu tô a pelejá!
Arriei o meu cavalo,
Fui no munho busca fubá;
Cheguei na porta do munho[5]
Requebrei pra lá, pra cá!

Porta do munho,
Requebrei pra lá, pra cá[6];
Na moega não tem milho,
No caixão não tem fubá.

Na moega não tem milho,
No caixão não tem fubá;
Na falta de peneira fina
Meu chapéu coa fubá.

Joguei meu chapéu pra riba,
Meu chapéu parou no ar[7];
Eu sou nêgo da dindinha[8],
Sô criôlo da nhánhá[9];
Sô nêgo da demanda,
Sô duro de demandá;
Qué cantá comigo,
Tá duro de pelejá...

Num sabe o que assucedeu[10]
Lá na raia[11] no sertão:
Tava dentro de uma venda,
Encostado no balcão.

Numa venda,
Encostado no balcão,
chegou quarenta pessoas
todas de arma na mão.

Todos me cumprimentô,
Todos me pegou na mão;
Me deram voz de prisão
Disse, não tô preso não!

Eu não tenho pai nem mãe,
Nem parente, geração,
Tô longe da minha terra,
Morro não deixo paixão...

Da minha terra,
Morro não deixo paixão,
Se eu apanhar eu sou perrengue[12],
Se batê sô valentão!

Todas cobra-carijó
Vive sempre de porfia;
Cascavel anda de rastro,
Caninana de rodia.

Falei brincando,
No calango da lacraia!
Tico-tico foi na roça
Comeu milho, deixou a paia.

Eu sou filho do pau-pereira,
Neto do jacarandá;
A casca do pau-pereira
Só serve pra fazer chá.

Se perguntá como eu me chamo
Não sei não, minha sinhá;
Sô nêgo da dindinha,
Sô criôlo[13] da iáiá!

Sô nêgo da dindinha,
Sô nêgo da iaiá,
Se jogá pra baixo deu
Se jogá pra cima dá.

Jogá pra baixo deu,
Jogá pra cima dá;
Isso tudo não é muito
Eu consigo carregá!

Perguntá como eu me chamo
Não sei não minha sinhá,
Eu chamo sô Lutero,
Binidito Valadá![14]

Sô Lutero,
Binidito Valadá,
Você vei cantá comigo
Você não veio me ajudá.

Ô sô Lutero,
Você diga porque não canta:
Você tem tão belos versos
Tendo tão boa garganta...

Meu amigo e companheiro
Um caso eu vô te contá:
Subo morro, faz cansêra[15],
Eu tô querendo alcançá.
Se você veio de longe
Para me desafiá...

Tabuleiro na cabeça[16]
Como letra no jorná;
Olha lá, olha lá,
Olha lá, olha lá!

Imbaúba é pau do mato,
Aruêra é do sertão;
Dei um tapa no caixote
Esfolei a minha mão.

No caixote,
Esfolei a minha mão,
Vou chamar o meu irmão,
Um chama Pedro
Outro chama Sebastião.

Meu irmão chamava Pedro,
Outro chama Sebastião,
A imbaúba é pau do mato
Aruêra do sertão[17],
Vocês pensa que eu tô perdido
Eu não tô perdido não...

Eu subi de pau arriba
Eu subi arreparando:
Aprígio tava durmino,
Malaquias cochilando.

Tava dormindo,
Malaquias cochilando,
Valha-me, Nossa Senhora,
Ôh, minha Santa Germana.

Valha-me, Nossa Senhora,
Ôh, minha Santa Germana,
Eu num o que é de fazê
No meio dessa semana...

Falei brincando,
No calango da lacraia!
Tico-tico foi na roça,
Comeu milho, deixou a paia!

No tempo que eu era bobo,
Tempo da minha bobage,
Beijava toco na roça,
Pensava que era image.

No que eu era bobo,
Tempo da minha bobiça,
Comia toicinho assado
Pensava que era linguiça.

Dia qu’eu aqui cheguei
Me mandaram trabalhá,
A enxada é meu remédio[18]
Capino massambará[19].

Eu en’vinha
Capiná massambará;
Eu sô coco da baía,
Sô castanha do Pará![20]

Na minha porta não passa,
Cabra do chapéu tombado;[21]
Se passá de manhã cedo,
De tarde tá derrubado...

Falei brincando,
No calango da lacraia!
 Macaco vai na roça,
Come milho, deixa a paia.

Tocador dessa sanfona
Merece comer galinha,
Casar com uma das moça
Falar das outras com Aninha.

Tocador dessa sanfona,
Tem o dedo de papel,
Quando ele pega a tocar,
Parece um favo de mel!

Dona mais da falsa,
Também sabe que ele tem,
Quando ela me vê chorando,
Chora comigo também.

Como Chiquinha não tem,
Como Totonha não há;
Chiquinha não quer qu’eu dê,
Totonha vem e me dá.
Chiquinha não quer qu’eu dê
Totonha compra e me dá.[22]

A Chiquinha tá doente,
E eu tô passando má,
Chiquinha me deu veneno
Na colher de tomar chá.

Ai, fui rodando,
Fui rodando;
Fui rodando
E fui no fundo.

Fui rodando,
Eu fui rodando;
Fui rodando
E fui no fundo.
Que aconteceu com o Lutero,
Me deixou sozinho no mundo!

Coitadinho do Lutero,
Todo mundo fala dele,
Ele é muito pequenino,
Mas eu gosto muito dele!

Levantei sozinho,
Sozinho sem mais ninguém;
Quem não me conhece chora,
Que dirá quem me quer bem.

Conhece chora,
Que dirá quem me quer bem;
Pelo jeito qu’eu tô vendo,
Comigo, não vai ninguém!

Levantei de manhã cedo,
Sem ter nada pra almoçá,
Passei a mão na espingarda
Bati pro mato caçá.

Caçá fruta,
Pra matar a minha fome;
O mato arrespondeu
Fruta verde não se come!

Quem quiser cantar comigo,
Passa banha no topete.

Cantar comigo,
Passa banha no topete,[23]
Você não é dos primeiro
Passa perto do papai
Toma bênção do seu mestre!

Quem quiser cantar comigo,
Dê um, dois, pulo na rua,
Você não é dos primeiro
Qu’eu tiro a carapuça.[24]

Falei brincando,
No calango da lacraia!
Periquito vai na roça,
Come o milho, deixa a paia.

Filho do pau-pereira,
Neto do jacarandá,
Dei um pulo pra cima,
Caí no mesmo lugá.

Dei um pulo pra cima,
Bati no mesmo lugá,
Meu amigo e companheiro,
Um caso eu vou te contá.

Meu amigo e companheiro
Um caso eu vou te contá,
Tico-tico come verde,
Não espera madurá.
Tico-tico tá danado
Na semente do juá.

Quando eu canto,
Canto certo na toada,
Eu acompanho a volta toda
Da sanfona pianada[25].

Canto certo,
Canto certo na toada,
Eu acompanho a volta toda
Da sanfona pianada.

Senhores que estão aqui
Um favor eu vou pedi
O verso qu’eu tô cantando,
Tô tornando a repeti.

Valha-me, Nossa Senhora,
Santo Antônio Livradô,
Fico triste, apaixonada,
Quando morre um cantadô.

Você diz que vai embora,
Eu começo chorá,
Eu tiro sangue da veia
E o coração do lugá...

Valha-me, Nossa Senhora,
Ai, meu Deus, o que será?
O Lutero vai embora
Eu começo chorá!

Estou cantando,
No batido da correia,
Quem quiser cantar comigo,
Se não for forte bambeia!

Cantar comigo,
Se não for forte bambeia,
Quando eu tô fazendo a barba,
Meu bigode balanceia!

Não tenho medo da chuva,
Nem também do trovão,
Tomara que chova muito
Pra lavar meu coração.

Onde está o Lutero,
Por ele pergunto eu;
Enfiou a unha no barro,[26]
Nunca mais apareceu...


Notas e Créditos

*Texto, notas, acervo e pesquisa: Ulisses Passarelli
** Agradecimentos especiais ao sr. Luthero Castorino da Silva, pela gentileza do apoio irrestrito a esta pesquisa. Igualmente manifestamos inolvidável gratidão à informante. 
*** Para saber mais sobre o calango leia as outras partes desta série:
CALANGO-TANGO: parte 1 (Fundamentos do calango)
CALANGO-TANGO: parte 2 (Fundamentos do calango: continuação)
CALANGO-TANGO: parte 3 (Linha do Bicharão: um calango diferente)

Referências bibliográficas

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d.]. 930p. Verbetes: Cabra; Calango

FRADE, Cáscia. (Coordenação). Cantos do Folclore Fluminense. Rio de Janeiro: Presença / Secretaria de Estado de Ciência e Cultura / Departamento de Cultura / INEPAC / Divisão de Folclore, 1986. 234p. 




[1] - Outrora, a alimentação cotidiana poucas vezes incluía carne. Como um artigo de luxo, a carne aparecia no prato somente aos domingos, sob a alcunha de “mistura”. Comprar uma mistura: comprar carne num açougue. Nas roças no Campo das Vertentes o costume era matar uma galinha da criação caseira no domingo para a família comer. Fartura de carne acontecia quando se matava um porco, conservando-se pré-cozida imersa em gordura numa lata. Carne bovina era raríssima, só quando se matava uma rês, por ter caído num buraco e quebrado uma perna, por exemplo. O complemento nas zonas rurais vinha de alguma eventual pescaria ou caçada. Para substituir a carne o hábito era comer um ovo frito. Esta exiguidade decerto inspirou o verso divulgadíssimo de calango: “quando eu estou comendo carne / não gosto que gato mia”.
[2] - Antenôre: Antenor. Não é raro na pronúncia popular regional, mormente na rural, o acréscimo de uma letra “e” ao final de algumas palavras: sole (sol), sale (sal), etc.
[3] - Puxar a linha: a linha do calango, a rima dos versos, a sequência das estrofes.
[4] - Quadra muito difundida nos calangos regionais, por vezes admitindo pequenas variações (Conceição da Barra de Minas, São João del-Rei, etc).
[5] - Munho: moinho de moer milho para fabricação de fubá. Sobre este mecanismo e suas tradições, consultar a postagem: MUNHO ASSOMBRADO: O FOLCLORE DOS MOINHOS DE FUBÁ
[6] - “Requebrei pra lá, pra cá”: verso-feito.
[7] - “Meu chapéu parou no ar”: verso-feito.
[8] - Dindinha: forma carinhosa e intimista usada para se referir à madrinha. Sobre as madrinhas e padrinhos, consultar a postagem: APADRINHAMENTO
[9] - Nhánhá ou iaiá: forma carinhosa e intimista usada para se referir à senhora, sinhá, nhá. O masculino correspondente é nhônhô ou ioiô (senhor, sinhô, nhô), uns e outros reconhecidos popularmente como linguajar típico dos antigos escravos africanos.  
[10] - Assucedeu: pronúncia usual de “sucedeu”.
[11] - Raia: neste sentido, qualifica uma região geográfica sem definição exata, implícita a distância acentuada e o aspecto ermo. Raia do sertão: região do sertão, banda do sertão, área do sertão.
[12] - Perrengue: fraco, doente, debilitado. Aperrengado: adoentado. Perrenguice: prostração.
[13] Criôlo: crioulo. No vocabulário do período escravocrata identificava os negros nascidos no Brasil, em oposição aos chamados “negros da costa”, que eram os nascidos na África. Ao longo dos anos, ganhou conotação pejorativa, sendo atualmente entendida como uma palavra execrável. Aparece em muitos versos folclóricos antigos como sinônimo de negro, sem o sentido depreciativo. A palavra “crioulo” admite outros usos. Ver a respeito: APONTAMENTOS SOBRE PORTUGUÊS CRIOULO
[14] Binidito Valadá: possível referência ao ex Governador do Estado de Minas Gerais, Benedito Valadares Ribeiro, da era getulista (1933-1945), cujo nome alcançou popularidade.
[15] - Subo morro, faz canseira: verso-feito. No congado de Coronel Xavier Chaves, aparece sob variante: “Sobe morro, faz canseira; / descer morro, corre perigo...” (Capitão Zé Carreiro, 1998).
[16] - Tabuleiro na cabeça / como letra no jornal: variante de uma versão difundida nos calangos regionais (e conhecido mesmo em outras regiões): “Tenho verso na cabeça, / como letra no jornal”. O verso afirma que o cantador tem um cabedal de inúmeros versos disponíveis, comparando-se ao volume de letras de um jornal. Em outra ocorrência o jornal aparece assim no calango: “Calango tango, / no calango dessidá / aonde não tem mestre / pernilongo lê jorná.” (Elvira Andrade de Salles, Bias Fortes/MG, 16/02/2000)
[17] - Imbaúba: embaúba ou árvore da preguiça, vegetal da mata atlântica e amazônica, da família das urticáceas, gênero Cecropia (várias espécies), conhecida pela madeira fraca, oca. Aroeira do sertão: Myracrodruon urundeuva, antiga Astronium, árvore anacardiácea do cerrado e da caatinga, conhecida pela extrema rigidez de sua madeira. Na linguagem simbólica da cultura popular é habitual se comparar o oponente ou desafiante a uma madeira pouco resistente (embaúba) ou a um peixe miúdo (lambari) e o próprio cantador se apresenta como madeira resistente (aroeira, jacarandá) ou aparentado a animais perigosos (serpente). É uma forma figurada de simbolizar a fraqueza e a força. Sobre as aroeiras veja a postagem: AROEIRA, ÁRVORE BRAVA
[18] - A enxada é meu remédio: nos meios rurais a preguiça é considerada a mãe de muitos males. Na visão popular do folclore o ócio favorece mesmo o surgimento de doenças. Nesta ótica, o trabalho enrijece os músculos, ativa a mente, estimula a circulação sanguínea e o funcionamento dos órgãos. Eis o sentido da composição.
[19] - Massambará: planta da família das gramíneas, espécie de capim, Sorghum halepense.
[20] - Sou coco da baía: na linguagem popular se comparar ao coco é se dizer rijo, duro, tenaz, forte, resistente: “fulano é coco!” Por outro lado, a questão comparativa do sabor (coco, castanha), figura qualidade, excelência. O Capitão de Moçambique sr. Luís Maurício, de Passa Tempo / MG, certa feita se saiu com essa quadra numa festa congadeira: “Quando eu vim de Passa Tempo, / subi morro e desci serra; / melancia, põe sentido... / coco doce está na terra!” A linguagem cifrada confronta a melancia (insonsa) com o coco (saboroso), simbologia entre falta e presença de qualidade, obviamente se referindo a um demandista, opositor.
[21] - Cabra do chapéu tombado: trazer o chapéu inclinado sobre a cabeça, pendente para um dos lados, é um símbolo popular de malandragem, velhacaria, esperteza em trapacear. Daí o repúdio. Cabra: “Quarteirão de mulato com negro; cabrocha, cabrito, cabriola. Mulato escuro. Um plural curioso é cabroeira, reunião de cabras. Há longa criação no adagiário contra o cabra.” (CASCUDO, p.212). Contudo, afora esta acepção específica, cabra tornou-se apenas sinônimo de gente, homem, independente da tez: cabra bom; cabra ruim; cabra trabalhador; cabra educado; cabra prestativo.
[22] - Sextilha bastante conhecida Brasil afora, com algumas variantes. Uma delas, coligida em 1996 de outra grande conhecedora de calangos, D. Elvira Andrade de Salles, procedente de Bias Fortes / MG, dizia: “Como a Chiquinha não tem, / como a Totonha não há; / Chiquinha na Pedra Grande, / Totonha na beira má (mar) / Chiquinha não quer qu’eu beba, / Totonha compra e me dá!” Ainda a mesma informante, de outra oportunidade, soltou a variante do terceiro verso: “Chiquinha mora no Cumba”, mantendo idêntico o restante. Chiquinha e Totonha são alcunhas carinhosas, respectivamente para os nomes próprios Francisca e Antônia.
[23] - Passa banha no topete: expressão popular – seja humilde, abaixe o ímpeto. Outrora passava-se gordura no cabelo, como se fosse um creme para pentear e hidratar. Topete: cabelo volumoso na franja ou pena alta (penacho), elevados sobre a cabeça. Símbolo de atrevimento, empáfia: sujeito topetudo – indivíduo arrogante. A expressão “te arranco o topete” ou “te corto o topete” significa que se cortará a valentia e ingressa no vasto universo do folclore do cabelo. Sobre este assunto ver a postagem: O CABELO NA TRADIÇÃO POPULAR
[24] - Tirar a carapuça: expressão popular - tirar a força, remover a magia; descobrir os mistérios, tornando-os inócuos. O conhecido mito do saci-pererê admite esta situação. Retirar a carapuça do saci remove-lhe os poderes sobrenaturais, trazendo-o sob controle, como se fosse um espírito escravo, que faz tudo quer lhe pedirem na esperança de ter de volta sua carapuça mágica. Sobre este mito ver: SACI-PERÊRÊ: MITO OU ESPÍRITO?
[25] - Sanfona pianada: o acordeon; sanfona que tem teclas em vez de botões de um dos lados, semelhantes ao teclado de um piano. Sobre este instrumento ver a postagem: SANFONAS & SANFONEIROS
[26] - Enfiou a unha no barro: expressão popular – intimidou-se, perdeu a coragem. Quando alguém clama que outrem se acalme, costuma dizer: “guarda as unhas!” Ao contrário, “por as unhas de fora” representa atitude de iminente agressividade, desafio, prontidão para a contenda. 

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