(Ofereço à memória do Ogã e Capitão de Congado Hélio Eliseu de Sousa, popular e carinhosamente conhecido por "Hélio Quebra-santo", inestimável colaborador, que infelizmente veio a falecer, deixando nos participantes em geral um clima de saudade, tristeza e gratidão)
Em São João del-Rei / MG, a Tenda de Umbanda Ogum de Ronda, realizou em abril de 2024, mais uma vez, a festa de seu patrono, o orixá Ogum. Entretanto, este ano, teve por novidade a realização de atividades externas, abertas ao público.
Cuidadosamente preparada, conforme a doutrina desta Casa, no sábado, dia 20, transcorreram as atividades internas propriamente religiosas do rito, com saudações ao orixá, oferendas e trabalho espiritual com as linhas da umbanda.
No domingo, dia 21 de abril, a abertura a partir das 14 horas teve uma atividade específica voltada à linha dos boiadeiros, para bênção geral, seguida de apresentação da Folia Embaixada Santa, desta cidade, apresentando-se no espaço do abaçá com as cantorias consagradas ao Espírito Santo (Folia do Divino). Seguindo a programação, com este enfoque cultural, deu-se início pela primeira vez à saída do Boi de Ronda, assim batizada a manifestação do Bumba-meu-boi em razão do nome da Tenda organizadora. O Boi de Ronda saiu à rua no bojo de um cortejo cultural de umbandistas, na maioria trajados com as roupas rituais e fios de contas sagrados usados no terreiro, contando com a participação de diversos outros terreiros convidados. O cortejo destinou-se até outro terreiro no mesmo bairro (São Judas Tadeu, antiga Caieira): a Tenda Espírita Pai Joaquim de Angola, estimada em geral como um terreiro de raiz, ou casa-mãe, que formou uma quantidade de médiuns que ainda hoje atuam em outros terreiros da cidade, ou, se não isto, muitos médiuns atuais tiveram seus pai e mães de terreiro oriundos da Tenda de Pai Joaquim. No mais, tal visita se reveste de imenso simbolismo porque o referido terreiro esteve fechado por longos anos, gerando nos adeptos um clima de tristeza e anseio pela reabertura. Ocorre, que desde o final de 2023 e início de 2024, a Tenda passou por uma intensa e cuidadosa obra de reforma, que trouxe de volta a beleza da edificação sede e tanto mais, melhorou imensamente seu quadro de conservação, graças às obras emergenciais. Isto trouxe de volta a expectativa de reinauguração e reabertura, ainda aguardada ansiosamente. O cortejo do boi foi tão somente uma visita protocolar, mas revestida de plenitude de alegria, união e devoção.
O boi foi construído artesanalmente por membros da Tenda de Umbanda Ogum de Ronda, utilizando-se de bambus de vara, formando seu arcabouço (balaio ou costela), devidamente revestido de tecido chitado, bem à moda da cultura popular. Cabeça de caveira de boi, revestida de tecido. Do portão, o toque do berrante convocou a saída do boi; o estandarte fez o abre-alas, os folieiros acompanharam, além de caixeiros que reforçaram o conjunto. O boi dançou aos corrupios, em movimentos de ir e vir, fazendo escaramuças com os "boiadeiros" munidos de vara de ferrão e laço de couro trançado.
Atrás do boi, seguiu o andor com duas imagens adornadas, sendo uma de São Jorge e outra de Ogum.
Ao descer a Rua Henrique Benfenatti, a principal do bairro, o cortejo foi até a margem da via férrea, onde estacionou brevemente para saudações ao grande orixá. De retorno, parou à frente da Tenda Espírita Pai Joaquim de Angola, onde após os cantos de licença, adentrou com muito respeito. Os boiadeiros cruzaram as varas de ferrão sobre o portão e por baixo desse portal místico o boi adentrou. No interior e com ampla participação, além das saudações ao preto velho patrono, foi representado o rito do boi, com a cantoria de sua marcha, marcada pelo refrão "Êh, boi!", além da cena da morte, com sangria por um punhal, derramando-se seu "sangue" (vinho tinto) em uma bacia. Deste vinho se deu livremente uma pequena prova aos que desejaram, em copos descartáveis. Na sequência houve a cena da ressurreição do Boi de Ronda.
Antes da saída de retorno algumas palavras breves foram ouvidas, no sentido de agradecimentos e esclarecimentos, por parte do Dirigente Espiritual da Tenda de Ogum e do Zelador do Terreiro de Pai Joaquim.
Voltando ao terreiro de Ogum de Ronda, os participantes do cortejo foram recepcionados com comida típica: feijão tropeiro e arroz boiadeiro, concluindo-se as atividades.
Na terça-feira, 23 de abril, dia de São Jorge, houve uma palestra sobre as festas religiosas e sua relação com terreiros de umbanda e a devoção a Ogum. Esta atividade concluiu as festas de 2024 e transcorreu no solar conhecido como Casa do Barão de São João del-Rei, no Centro Histórico, atividade esta apoiada pela Secretaria Municipal de Cultura e Turismo.
A Festa de Ogum foi possível graças à participação e colaboração de muitas pessoas, terreiros e sobretudo, da forma como transcorreu, tendo como ponto alto a visita do cortejo cultural, com a sensibilidade, ajuda e abertura concedida pela direção da Tenda Espírita Pai Joaquim de Angola. O evento demonstrou que a partir da união dos participantes a umbanda se auto-afirma no orgulho de ser umbandista, no que pese tantos atos de intolerância religiosa que sofre, Brasil afora. Para além, deixa claro que terreiros são ou podem ser geradores e mantenedores de cultura e de processos educativos, além do valor social.
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01- Tenda de Umbanda Ogum de Ronda durante o primeiro dia de Festa de Ogum. |
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02- Tenda de Umbanda Ogum de Ronda durante o primeiro dia de Festa de Ogum.
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03- Vista parcial da Folia Embaixada Santa.
 04- Diversidade de umbandistas de vários terreiros congregados em celebração a Ogum. |
05- O toque do berrante convoca a saída do Boi de Ronda.
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06- O Boi de Ronda e a Folia do Divino.
 07- Descida do cortejo cultural com estandarte do Boi e bandeira da Folia na dianteira.
 08- Andor de São Jorge e de Ogum durante o cortejo.
 09- O Boi de Ronda adentra o espaço da Tenda Espírita Pai Joaquim de Angola, sob as varas de ferrão cruzadas.
 10- No interior da Tenda, o ritual da morte do boi colhe na bacia esmaltada o "sangue" do boi (vinho tinto).
 11- Distribuição de alimentação ritual.
 12- Palestra sobre Ogum e as festas de umbanda.
13- Convite e programação da festa.
14- Um dos ensaios do boi, com a presença de experientes participantes.
 15- Hélio Eliseu de Sousa, durante um dos ensaios do Boi de Ronda, tocando um urucungo, berimbau de fricção ou cuíca de arco.
* Texto: Ulisses Passarelli ** Fotografias: 01 e 02 - Luciano Nascimento; 03 - Ariany Fonseca; 10 e 15: Iago C.S. Passarelli; 12- Rogério L. Ramos; 14- Ulisses Passarelli; demais fotos - Arlon Cândido Ferreira.
Revisão em 16/03/2025 |