Esta postagem apresenta aos estudiosos e amantes da poesia popular mais cinquenta quadras compostas sob a inspiração do amor, parte de uma coleção bem maior, em parte já exposta neste blog e com outros números planejados.
São quadras anônimas e talvez em alguns casos tornadas propositalmente "anônimas", ou em outras palavras, quiçá apropriadas pelo povo de autores conhecidos e repetidas de boca em boca ou de caderno em caderno, como se fossem de autoria própria. E assim ganham asas e se reconfiguram sob novas influências, variantes, corruptelas e regionalismos. É um processo de folclorização.
As trovas de amor revelam muitas vezes uma filosofia popular que rege os relacionamentos, mormente os da juventude e adolescência. Outras vezes mostra na sua trama um amor platônico; desilusão, paixão ou tão somente simpatia. Algumas tem desfecho gentil e educado, mas por vezes se fazem grosseiras e até cômicas. Nota-se também em algumas a repetição de fórmulas, tais como os versos-feitos, que aparecem em várias quadras de diferentes procedências.
O saber popular permite toda esta flexibilidade. Em sua lógica não se prende a fórmulas rígidas. O importante é ser funcional.
Página de um caderno de poesia popular. Santa Cruz de Minas, 1996. |
Sei que você gosta de mim,
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Menina, se tu soubesse,
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Embora diga que não.
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Como eu te tenho amor,
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A boca nem sempre diz
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Tua caías em meus braços
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O que senti o coração.
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Como o sereno caiu na flor.
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Menina, minha menina,
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O amar e o querer bem,
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Quem te fez tão bonitinha?
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Todos dois andam junto,
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Foi o sol, foi a lua,
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O amar passa trabalho,
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As estrelas miudinha...
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Querer bem padece muito.
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Da roseira nasce espinho
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O suspiro mais a saudade,
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E nasce também a flor;
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São dois amor que eu tenho:
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Do seu orgulho, carinho,
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O suspiro é quando eu vou,
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Do seu desprezo, a dor...
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A saudade é quando eu venho.
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Com A escrevo amor,
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Fiz o A pra te amar,
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Com P escrevo paixão,
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Fiz o Q pra te querer,
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Com R escrevo Roberto[1],
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Fiz o D pra te deixar,
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A letra do meu coração!
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Somente quando eu morrer.
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Seus olhos são de veludo,
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Se eu fosse uma pedra,
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Seu sorriso, encantador;
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Queria que você sentasse,
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Sua boca é meu livro,
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Mas como sou gente,
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Na faculdade do amor.
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Queria que você me amasse.
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Joguei uma pedra n’água,
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Sua boca é uma rosa,
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A onda foi espalhando,
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Seu nariz é um botão,
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Uma lágrima discreta
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Dentro dos teus olhos tem um laço
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Veio em meu rosto molhando.
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Que prende meu coração.
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A paixão e a saudade
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Menino dos olhos pretos
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São duas fiéis companheiras:
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Olhos preto, matadô,
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A paixão dura pouco,
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Se eu morrer por esses dias
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A saudade a vida inteira.
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Seus olhos que me matô...
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Sua mãe é uma rosa,
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Dentro da minha casa,
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Seu pai é um jardim,
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Corre água sem chover,
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Os dois trabalharam juntos
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Não sei se são meus olhos
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Pra criar você pra mim.
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Que chora por não te ver.
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Você disse que sou criança
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Você disse que sou criança,
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Recebi isto com fervor,
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Criança sei que sou;
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Pois mesmo pequenina,
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Um dia você sentirá saudades
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Estou morrendo de amor.
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Da criança que te amou.
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Oh, meu querido
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Mandei te retratar
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Da minha veneração!
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Na parede de meu quarto,
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Deus grave suas palavras
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Para na hora que não te ver
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Dentro do meu coração.
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Consolar com seu retrato.
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Os pássaros pedem ar,
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Os pássaros perderam as penas,
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Os presos, liberdade,
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Os peixes perderam as escamas,
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Eu peço a você,
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Eu vivo perdendo tempo,
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Amor e felicidade.
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Amando quem não me ama.
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Moreno dos olhos lindos
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O beijo que você me deu
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Que um dia encontrei,
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É sofrimento para mim,
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Não sei o que tu tens
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Andarei sempre sofrendo,
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Que logo apaixonei.
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Até chegar o meu fim.
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O amor é como um punhal,
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É triste a dor da saudade
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De dois cortes fatais,
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Ao despedir de alguém.
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Quem ama sofre muito,
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Quem parte, parte chorando,
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Quem não ama sofre mais ...
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quem fica, chora também.
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Hoje eu vi uma abelha[2],
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O vento quando é forte
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Pousada, tonta de amor,
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Joga folha no chão;
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Em tua boca vermelha,
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O amor quando acaba
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Pensando que era uma flor.
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Deixa dor no coração.
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Enquanto o mundo for mundo
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Se entre duas pedras
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Enquanto Deus governar,
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Pode nascer uma flor,
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Enquanto você desistir,
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Então, por que entre nós
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Outro, não hei de amar.
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Não pode nascer um amor?
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A folha da bananeira
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Eu tive um sonho esta noite,
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Tem quatro ou cinco recortes
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Sonho de tanta alegria,
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Hei de te amar
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Sonhei que me casaram a força
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Até na hora da minha morte.
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Logo com quem eu queria.
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Quando vires a tarde fria,
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Quando ver o dia triste,
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Não pense que vai chover
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A tarde querendo chover,
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São meus olhos tristes
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Lembre-se que são meus olhos
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Que choram por não te ver.
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Que choram por não te ver.
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Subi no pé de lima
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Não te ofereço rosas
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Chupei lima sem querer;
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Porque tem espinho;
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Espetei no espinho
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Mas te ofereço meu coração
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Pensando que era você.
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Com todo amor e carinho.
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Se amar for pecado
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Sou um jardineiro imperfeito,
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Quero ser um pecador,
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Pois, no jardim da amizade,
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Para ser crucificado
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Quando planto um amor-perfeito,
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Nos braços do meu amor.
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Nasce sempre uma saudade...
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De saudade ninguém morre,
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Meu amor me deu um beijo,
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Vive sempre a sofrer,
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O meu corpo estremeceu,
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Creio que é verdade,
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Depois de nove meses
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Pois vivo sempre a sofrer.
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O nosso filho nasceu...
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Com Deus me deito,
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As letras pegaram fogo,
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Com Deus me levanto,
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Corri para salvar;
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Breve eu terei
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Salvei a letra ... [3]
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Você ao meu canto[4].
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O resto deixei queimar.
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Quando eu tinha 11 anos
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Minha vida é um céu
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Só pensava em brincar,
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Quando estou do teu lado,
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Agora que tenho o dobro
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Vira inferno,
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Só penso em te amar.
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Quando estamos separados.
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Ribeirão que corre água,
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Se eu fosse uma rainha,
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No fundo corre areia,
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Te daria o meu reinado,
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Se amar fosse crime,
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E se fosse uma andorinha,
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Eu estaria na cadeia.
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O meu ninho do telhado.
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Quando eu te amava
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O teu rosto é lindo,
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Você era a flor do meu canteiro.
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Teu sorriso encantador,
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Agora que te odeio,
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Não me canso de falar,
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Você é o porco do meu chiqueiro.
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Eu você é meu amor.
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Do céu quero uma estrela,
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Esta noite eu tive um sonho,
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Do jardim quero uma flor,
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Na praia do mar sereno:
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Dos teus lábios quero um beijo
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Sonhei que estava beijando
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Do teu coração quero amor.
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Seu lindo rosto moreno.
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* Texto: Ulisses Passarelli
** Informante: Maria Aparecida de
Salles, Santa Cruz de Minas, 1996.
*** Leia também:
[1] -
Verso que permite a flexibilização da letra inicial para ajustar a qualquer outro
nome.
[3] -
Enuncia-se a letra inicial do nome do amado.
[4] -
Paródia de uma conhecidíssima oração do tipo ensalmo: “Com Deus me deito, / com Deus me levanto, / na graça de Deus,/ do Divino
Espírito Santo.” Ela enseja também outra paródia, de cunho antes
humorístico que desrespeitoso, da mesma procedência desta série de quadras: “Com Deus me deito, / com Deus me levanto, /
eu na beirada, / a negra no canto.”
você diz que sou criança mas criança eu não sou;um dia você vai se lembrar da criança que te amou.
ResponderExcluircleyton e Larissa(0)(0)
Excluirgosto da rosa porque enfeita o meu jardim e gosto da sua mãe porque fez você pra min
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