Este título execrável mas fiel à tradição popular, refere-se a um ser mitológico, de aparência horrenda, não fazendo outro mal senão o choque
emocional de vê-lo. A lição pela visão; o aviso sobrenatural da necessidade de se mudar um comportamento ignóbil.
Aparece aos que xingam muito por algo de pouca importância, queixando-se repetitivamente da vida: “isto é uma desgraça!”. É um contraponto aos que positivamente dizem por qualquer coisa: "graças a Deus!". Por isto, as senhoras devotas repreendem quem usa esta expressão maldita.
Aparece aos que xingam muito por algo de pouca importância, queixando-se repetitivamente da vida: “isto é uma desgraça!”. É um contraponto aos que positivamente dizem por qualquer coisa: "graças a Deus!". Por isto, as senhoras devotas repreendem quem usa esta expressão maldita.
A forma de aparição, ainda recordo claramente de tê-la ouvido descrita na adolescência, de minha bisavó materna, Luíza dos Santos: surge com aspecto de uma mulher magérrima, seca mesmo, altíssima, vestida de branco, de faces lanhadas por rugas e marcadas por um olhar sombrio, desprovido de vitalidade (*). Um dos lugares
de sua eventual aparição era o pontilhão que ladeava a atual Gruta do Divino em
São João del-Rei, na saída da “Linha do Sertão” da estação ferroviária. Lamentavelmente o
pontilhão foi demolido, os trilhos retirados. Nos seus lugares construíram-se,
respectivamente, a Ponte Padre Tortoriello (fim da Rua Antônio Rocha) e um
calçadão (da Avenida Leite de Castro). O assombro sumiu com a modernidade.
A
segunda forma de aparição, anotei-a de um fazendeiro das redondezas do Rio do
Peixe, imediações de São Tiago, dizendo tê-la visto na parada do
Pessegueiro, na velha estrada de terra,
quando esperava o ônibus. De longe tinha aparência normal, conquanto fosse
soturna. Parecia uma mulher de verdade. Chegando junto dela, notou que não tinha rosto e na verdade, em seu
lugar havia um buraco escuro. Então, desapareceu como fumaça no ar.
É um mito
educativo, que impõe medo para se regular a boa fala, evitando-se os palavrões
e xingamentos hereges.
Entre dois membros de terreiros de matriz religiosa africana, em Santa Cruz de Minas (2001), encontrei sua descrição como de um espírito de característica
feminina, maligno, muito atrasado, desprovido de luz e doutrina, habitante dos
lugares de imundície, como chiqueiros, valas de esgoto, depósitos de lixo. Diz que nos galinheiros gosta de comer fezes de galinha. Se
compraz em fazer o mal, prejudicar pelo prazer de ver a infelicidade alheia. Se torna um encosto, que acompanha o indivíduo com muita obstinação, estragando sua vida. Sua força é infernal. Tem a esperteza de uma raposa, não sendo fácil ver-se livre
dela quando escolhe sua vítima. Por vezes se gasta anos para esta obsessora cair numa armadilha que a
aprisione ou afaste.
Em atitude de possessão, faz a pessoa assenhoreada rosnar, ranger os dentes, retorcer,
descabelar-se. Dá tenebrosas gargalhadas e xinga muito. Seu olhar é medonho
como de um cão raivoso. Os guias de luz, em respeito,
chamam-lhe “aquela mulher”, evitando dizer seu nome, que como está explícito é
tão triste que indica exclusão de qualquer graça de Deus, que é em última análise, a pior desgraça que pode acontecer.
Neste sentido, confluindo na lógica da cultura popular, o adjetivo "pelada" parece apontar simbolicamente para algo que se subentende desregrado, fora do padrão. Em Santa Cruz de Minas ouvia dizer do pinto pelado, uma assombração que surge aos incautos e pecadores, aparição demoníaca em forma de pequeno galináceo depenado (**). Noutro contexto, mas em significado que parece-me estar em paralelo, chamamos "pelada" ao futebol de improviso, partida esportiva na qual vale trocar de time, jogar sem juiz, não importa o tamanho do campo ou da bola, a largura do gol, etc. um futebol "sem regras", despido de regulamentos.
Neste sentido, confluindo na lógica da cultura popular, o adjetivo "pelada" parece apontar simbolicamente para algo que se subentende desregrado, fora do padrão. Em Santa Cruz de Minas ouvia dizer do pinto pelado, uma assombração que surge aos incautos e pecadores, aparição demoníaca em forma de pequeno galináceo depenado (**). Noutro contexto, mas em significado que parece-me estar em paralelo, chamamos "pelada" ao futebol de improviso, partida esportiva na qual vale trocar de time, jogar sem juiz, não importa o tamanho do campo ou da bola, a largura do gol, etc. um futebol "sem regras", despido de regulamentos.
Por fim é preciso lembrar que o povo, por razões ignotas, talvez pela toxicidade elevada, chama ainda de desgraça pelada (ou dedinho de sapo) a uma espécie de vegetal, que nasce sobre a poeira e lodo acumulado nas lajes das casas e telhados.
Desgraça pelada, planta crassulássea do gênero Kalanchoe, flagrada na cobertura de um residência em São João del-Rei. |
Notas e Créditos
* Um mito que se equipara em certa medida a esta aparência é o da "Maria Engomada", que, segundo Saul Martins, é uma "aparição frequente no Sul de Minas, de mulher alta e magra, que estica e afina à medida que é reparada, sobretudo por crianças." In: Folclore em Minas Gerais. 2.ed. Belo Horizonte: Imprensa Universitária / UFMG, 1991. 126p. p.29-30.
** Sobre aparição fantasmagórica em forma de pinto, ver também a estória do Gaspar na postagem lincada a seguir: MAIS UM "CAUSO" DE PESCADOR
*** Texto e fotografia: Ulisses Passarelli