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Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




domingo, 19 de janeiro de 2014

A força das matas

A mescla cultural e religiosa extraordinária do Brasil, gerou em conjunto a certas características naturais do país, um sistema de crenças que atribui grande irradiação de forças espirituais aos domínios elementares da natureza: matas, serras, águas, campinas, etc.

Nossa imensa cobertura florestal e a multifacetada sabedoria indígena, impressionaram profundamente a alma popular, de conjunto aos saberes africanos trazidos pelos escravos e também da Europa, via colonizadores portugueses. 

Assim a mitologia indígena, no caldeirão da mestiçagem, nos legou nomes como Mãe da Lua (personificada na ave caprimulgiforme urutau), Mãe do Ouro (figurada no raio-globular, fenômeno meteorológico), Mãe d'Água (que sincretizou-se com os orixás femininos da água, que a África nos deu e com as sereias do Velho Mundo). Nos meios populares essas "mães" são égides protetoras de elementos naturais, cujos nomes aludem de imediato à área de seu domínio: Mãe da Mata, Mãe da Pedreira, Mãe da Cachoeira, etc. A ideia básica de entidades assim concebidas é de origem indígena. Os índios acreditavam nas cis, mães da natureza, sem necessariamente haver um pai.

Assim, como uma crença, passaram à cultura popular. Aqui mesmo nos Campos das Vertentes são correntes tais nomes e em São João del-Rei ouvi falar de Catambaiá, entidade considerada a "Vovó das Matas", talvez uma ancestral matriarca indígena.

Mas não apenas a ascendência ameraba nos deixou essas influências. O africano banto trouxe-nos a imagem do caçador divinizado, Mutalambô, que garante segurança e fartura tribal. Seu nome trazido de tão longe ainda é invocado em nossos terreiros de matrizes afro.

Oxóssi é um orixá, masculino, muito prestigiado, respeitadíssimo, cujo domínio é a floresta. É o chefe dos Caboclos e Caboclas (espíritos de antigos índios, tornados guias), coordenando as forças das matas, daí sua cor votiva ser em geral o verde. Recebe o oriki de “Rei das Matas” e o título de “Alaketu”, que significa rei, governador, líder do povo ketu (uma nação iorubá, hoje vinculada ao Benim). É considerado na espiritualidade como irmão caçula de Ogum, com quem tem grande afinidade. O sincretismo servirá de exemplo dessa proximidade: na Bahia Oxóssi  é sincretizado com São Jorge, enquanto no Rio de Janeiro e Minas Gerais o é com São Sebastião; Ogum é o contrário – São Sebastião na Bahia, São Jorge no Rio e em Minas. 

Janeiro é o mês da festa dos caboclos. O intenso veranico desse período é quebrado por algumas chuvas na semana que antecede o dia de São Sebastião. Essas águas pluviais em especial são chamadas "Comida de Oxóssi". Nas matas costuma-se ver nessa época oferendas de frutas estendidas sobre panos verdes, contidas em cestos artesanais; cabaças com mel, cuités com cerveja preta, morangas abertas por um tampo e recheadas de frutos, "curutos" (charutos), etc. 

Segundo a crença haveriam três oxóssis: este, propriamente dito (adulto, maduro), um outro, mais jovem, chamado Inlê e o terceiro, mais velho, chamado Odé. Outros porém consideram Inlê e Odé distintos de Oxóssi, embora os três sejam orixás mateiros.  Inlê tem por ferramenta o "amparo", que é uma chibata de três tiras de couro e espiritualmente é esposo de Oxum. Odé é sincretizado com São Bento e domina os animais peçonhentos, os bichos perigosos do mato. Tem grande força moral e doutrinadora.  

Ossãe, cuja grafia também aparece como “Ossanha”, Ossanyim”, “Orixaim” é um orixá das matas, solitário e retraído, filho de Oxalufã e Nanã, senhor das folhas, das plantas, da fitoterapia, da homeopatia. Conhece todas as plantas medicinais, os remédios da flora e as ervas sagradas, para fazer e desfazer qualquer feitiço, para apaziguar questões de quizila com os orixás ou para qualquer necessidade. Ossãe é quem ensina às demais entidades o uso dos vegetais. Sincretizado com Santo Onofre embora também cite-se São Benedito, menos apropriado para a aproximação. Só pode figurar no gongá ou no peji sob a forma sincrética, já que seu assento é feito oculto na mata virgem, sendo seu culto um tanto secreto e vedado à assistência dos terreiros. Seu ferro é uma árvore estilizada com a alegoria de um pássaro sobre uma das pontas. Somente pessoas de mediunidade forte e pura conseguem ter a visão deste orixá, sendo raríssimos os relatos de seu avistamento: aparece como uma figura humanóide camuflada de verde com a vegetação, semi-transparente, de aparência gelatinosa.

Com outros nomes relacionados às etnias de origem são conhecidas ainda mais entidades e conforme a cultura ou região à qual se relacionam podem ter características sincréticas diferentes das aqui apresentadas. As que foram citadas acima referenciam em linhas gerais as concepções religiosas e culturais que prevalecem nesta área do centro-sul mineiro, focalizada ou antes polarizada em São João del-Rei. 

O caráter geral que se impõe é o respeito às matas, como criação divina e domínio de entidades diversas, legados de diversos povos, inspirando a medicina popular, os rituais, danças, cantos...

"Lá na mata tem flores,
tem o rosário de Nossa Senhora,
padroeiro é São Benedito,
que nos valha nessa hora!"
(Ponto de terreiro, São João del-Rei, 1991) 


Mata da Limeira, Brumado de Cima (São João del-Rei/MG), 2010.

Notas e Créditos

* Texto e foto: Ulisses Passarelli

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