Na Mesorregião Campo das Vertentes, situada no centro sul do estado de Minas Gerais, na Microrregião de São João del-Rei situa-se o município de Dores de Campos, muito conhecido pela forte tradição ligada ao tropeirismo, o artesanato em couro e sobretudo pela arte da selaria, que o faz se destacar. Assim, com muita razão, o município de Dores de Campos foi reconhecido como Capital da Selaria e teve o ofício de seleiro registrado como patrimônio cultural imaterial (Lei Municipal nº 1.267, 03/10/2015). Além disto é Capital Estadual da Selaria (Lei nº22.951, 08/01/2018) e pleiteia a condição de Capital Nacional da Selaria, ainda não consolidada (Projeto de Lei Federal nº 9.820-A/2018). No texto desta última, consta informação que o número de selarias no município se aproxima de uma centena.
O histórico disponível na página do IBGE (cedido pela prefeitura local) informa que no início do século XIX:
"Bernardo Francisco da Silva adquiriu terras em nossas plagas, visando exploração da indústria agropecuária e veio a ser o fundador do povoado. Seus filhos introduziram o trabalho industrial variando no lugar em formação, que cresceu, atraindo pessoas de fora que, não raro, se mesclam à família local."
O terreno em que se assenta a cidade de Dores de Campos era chamado Pasto do Corredor, de propriedade de José Justino da Silva, que o herdou de sue pai, Manoel Justino da Silva. Primitivamente as casas foram construídas à margem da estrada. Ocorreu o falecimento, em Maio de 1899, do Senhor José Justino da Silva, ficando sua viúva e herdeira, a senhora Domitildes Teixeira da Silva que fez doação de todo o terreno ainda vago à paróquia, que vende ou afora os lotes.Nos seus primeiros tempos, a cidade de Dores de Campos chamou-se Povoado do Patusca, depois, com a construção da Capela de Nossa Senhora das Dores, hoje Igreja Matriz, e criação do distrito de Dores de Patusca, passou a ter este nome e, finalmente, tendo sido o distrito anexado ao Município de Prados, desmembrando-se de Tiradentes, a que pertencia, foi-lhe dado, bem como ao distrito, o nome atual de Dores de Campos. A dois quilômetros da estação de Prados, da Rede Mineira de Viação, existente uma tapera situada nas proximidades da confluência do Ribeirão do Patusca com o Rio das Mortes, bem perto da Ponte do Patusca na margem esquerda do Ribeirão. Esta tapera foi, pelos anos de 1830, uma fazenda de propriedade e residência de um português, rancheiro, que entretinha animado comércio com os inúmeros tropeiros que ali passavam, pois a sua fazenda ficava a margem de uma estrada de rodagem, ainda hoje existente e por onde então transitavam as tropas vindo de vários lugares dos atuais municípios de Prados, Oliveira, João Ribeiro, Lagoa Dourada, Rezende Costa, Tiradentes, etc. Este fazendeiro era o gênio folgazão, pelo que os tropeiros apelidaram de 'Patusca'. Essa, a origem dos nomes do Ribeirão do Patusca, o curso d'água que banhava a sua fazenda, e do Povoado de Patusca, a localidade que então formava daí a quatro quilômetros, na margem esquerda do referido Ribeirão e que hoje é Dores de Campos.No ano de 1856, o antigo povoado achava-se em estado embrionário pois contava com apenas cinco casas. O primeiro morador foi Bernardo Francisco da Silva, fundador do lugar. Os outros quatro moradores foram seus filhos Francisco da Silva Sena, Antônio da Silva Sena, Manoel Justino da Silva e Luiz Joaquim da Silva. Havia ainda a casa de José Cajuru, nos fundos da de Bernardo Francisco, as famílias do Capitão Vicente Teixeira de Carvalho e de João Francisco."
Dores de Campos tem um carnaval bastante animado, impulsionado por agremiações muito ativas, sendo igualmente um bem patrimonial reconhecido e protegido. Além de blocos e escolas de samba, um grupo cultural muito querido é o Boi do Major. Embora na prática se apresente na avenida central da cidade como um bloco é uma modalidade ainda que simplificada do tradicional folguedo do Bumba meu Boi, de ocorrência nacional, que localmente ganha este nome em homenagem ao saudoso Dácio Silva (1942-2009), músico e folião, alcunhado carinhosamente por "Major", trombonista lembrado atenciosamente pela grande dedicação às manifestações culturais ao longo de sua vida, às quais foi um dedicado organizador e incentivador.
Sobre ele, diz um trecho de matéria jornalística: "começou quando o Boi ainda era feito pelo senhor Doca Ferreira. Mas efetivamente ele começou a participar quando o senhor José Amâncio assumiu o Zé Pereira." (AGORA, 2005). Por esta transcrição se deduz que Major não criou o Boi, mas ingressou e depois abraçou a manifestação. Daí é interessante observar que mesmo após seu falecimento o folguedo permanece chamado Boi do Major, o que demonstra a vitalidade dos trabalhos impulsionados pelo sr. Dácio Silva e seus amigos, tornando-se icônico. Mas disso resulta uma indagação: antes do sr. Dácio, que nome o Boi teria? Diz a mesma fonte que "Major" introduziu no Boi outros personagens (girafa, mulinha e boneco Zé Maria) e que seu apelido foi dado na infância, pela semelhança física com um palhaço circense que usava o nome artístico de "Major", que fez sucesso na temporada de uma companhia de circo na cidade. Em tal matéria constam relatos sobre as dificuldades financeiras para conservação do Boi e pouco reconhecimento do poder público. Relatos da mesma ordem ressurgem em matérias veiculadas em 2017 no Portal Dores de Campos, citadas nas referências desta postagem. Tais recursos são usados para fazer reparos no boi, custear os músicos da banda e o pessoal de carregação do boi (ORGANIZADORES DO BOI DO MAJOR ESTÃO PEDINDO AJUDA AOS DORENSES, 2017). Com as ajudas arrecadadas, auxílio da Prefeitura Municipal e comércio local, o Boi foi então revitalizado (PARA A ALEGRIA DA CRIANÇADA DORENSE, O BOI DO MAJOR ESTÁ DE VOLTA, 2017).
Na ficha patrimonial dessa manifestação tem-se a informação que há mais de três décadas antes (anos 70) o grupo era formado por José Amâncio, que carregava um pequeno boi e Antônio Lima ("Tiro") que carregava um gorila. Foi quando o sr. Dácio Silva começou a participar com seu trombone e alguns percussionistas tocavam tarol e bumbo. Com a morte dos dois primeiros, Dácio Silva deu continuidade, ainda por bom tempo com o boi pequeno. Foi quando, certa vez, veio se apresentar na cidade o Boi Mofado, da vizinha cidade de Prados, que usa um boi grande, que fez sucesso. O então prefeito, Antônio Alves Moreira ("Totinho"), deu um boi grande ao Dácio, que também ganhou uma girafinha e uma mulinha, feitas pelo sr. Zé da Vila. O boi, por ser pesado, difícil de manusear, logo quebrou. Então, o artista plástico Tuta do Zé Lucas fez outro boi grande para Dácio, e em 2005 fez também uma girafa. O ano de 2005 foi também o do registro cartorial, com constituição sob a forma de associação civil. O inventário contém uma fotografia do bloco datada de 1965 (IPAC, 2011).
No desfile do Boi do Major que assistimos em 2024 não vimos a bandeira, bichos e bonecos mencionados na ficha de inventário. Havia apenas o boi e a banda acompanhante.
O Boi do Major replica no município a tradição regional do Bumba meu Boi, em grande parte já perdida em municípios próximos, conhecida sob outros nomes na região e por vezes com outras características (PASSARELLI, 2024): é tipicamente carnavalesco, constituído de um desfile de rua, bastante espontâneo, animado por uma banda de metais e percussão formada pelos músicos da cidade. Eles tocam marchinhas carnavalescas e saem à rua movimentando uma grande quantidade de pessoas da cidade e visitantes, sendo bastante característica a presença inclusive de famílias. É possível ver entre os foliões pessoas de todas as faixas etárias, desde avós com netinhos, casais, jovens e também turistas. O boi promove uma grande correria pelas ruas, brincando com as crianças de pega. Ele cerca e avança, recua, agita, mas não fere ninguém. É só alegria e brincadeira. A banda vem na retaguarda e a multidão de foliões adiante. O boi em correrias não tem lugar fixo, sempre instigado pelas crianças. A criançada, em grande parte fantasiada, fica em polvorosa e apronta grande correria e alarido, ora provocando ora fugindo do boi. Algumas crianças usam pequenas alegorias de boi, refletindo a popularidade do rancho carnavalesco. Como um carnaval de ambiente familiar, tudo transcorre com plena tranquilidade. De criancinhas a idosos, as diferentes gerações prestigiam e se esforçam por manter a tradição.
Uma peculiaridade interessante é que quando o dançante que está debaixo do boi para um instante para descansar, sai de baixo da alegoria do boi e vai tomar um fôlego, o boi fica parado no chão, deitado no asfalto. Então, as crianças cercam esse boi e brincam com ele: passam a mão, acariciam, riem, querem tirar fotos com o boi, intencionam subir sobre a alegoria. Isto demonstra um carinho especial por ele e então fica muito evidente em Dores de Campos o sentimento de identidade cultural envolvendo esta manifestação legítima da cultura popular.
Cartaz para divulgação digital do carnaval de Dores de Campos, vendo-se no primeiro item a participação do Boi do Major (16/02). |
https://portaldoresdecampos.com.br/organizadores-do-boi-do-major-estao-pedindo-a-ajuda-dos-dorenses/ Acesso em: 17 out. 2021.
https://portaldoresdecampos.com.br/para-a-alegria-da-criancada-dorense-o-boi-do-major-esta-de-volta/ Acesso em: 17 out. 2021.