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sexta-feira, 20 de junho de 2014

O queijo da onça

Mais uma fábula sobre a esperteza vencendo a força bruta

Numa ocasião, a onça passeava pela mata. Achou um queijo caído no chão. Acostumada a comer só carne, ficou olhando o queijo e pensando o que seria aquilo. 

Logo veio o macaco pulando a galharia da floresta e ao ver o queijo, de esperto que é, maquinou uma maneira de tomá-lo da onça. Puxou conversa

_ Ôh, comadre!
_ Oi, compadre macaco. Eu achei isso aqui, você sabe o que é?
_ Uai, sô! É queijo...
_ E come?
_ Olha, comadre onça: come sim e é bom, mas primeiro tem que curar o queijo.
_ Ah... é? E como é que se faz?
 _ Eu vou subir com ele lá para cima daquele ponteiro de galho e amarro lá. Todo dia agente vem ver como é que está. 

Assim foi feito. No dia seguinte vieram os dois: a onça pisando macio no tapete de folhas secas do chão mateiro; o macaco pelos ramos e cipós. Chegaram na árvore do queijo e o macaco disse:

_ Senhora espera aí que eu vou lá na copa ver como está. (E subiu.)
_ Ôh, macaco! Como é: já curou?
_ 1/4 já foi, comadre. 

Tirou um quarto do queijo e comeu. 

A mesma cantilena aconteceu no dia seguinte. E a onça ficou pispiano.

_ Meio queijo já foi, comadre, disse o macaco ao comer mais um quarto do queijo. 

Foram embora. Quando o macaco teve certeza que a onça estava longe, voltou na árvore do queijo e com certa dificuldade amarrou lá em cima uma pedra grande, clara, arredondada, lado a lado com o queijo. No dia seguinte, na mesma hora dos outros dias, vieram ver o queijo. 

_ Ôh, comadre, já está todo curado. 

Sem que a onça percebesse comeu a outra metade e disse para a fera:

_ A senhora deita aí no chão de barriga para cima e com as patas abertas. Eu corto a corda e a senhora mata o queijo nos peitos e abraça ele rápido para não rolar para o chão. Combinado?
_ Pode soltar. 

O macaco com sua faquinha cortou a corda e a pedra despencou das alturas em grande velocidade sobre o peito da bicha, que ficou lá estrebuchando de dor, rolando no chão da floresta. O macaco satisfeito, sumiu rapidamente pelas árvores.
Onça-pintada. Artesão: Mário Alves. Matéria-prima: madeira.
São Gonçalo do Amarante (São João del-Rei/MG) 

Pequeno glossário

Bicha: onça, jaguar, canguçu. Bichona. 
Cantilena: literalmente, cantiga repetitiva; por extensão, conversa que não muda de assunto.
Estrebuchando: em estado de agonia.
Maquinou: engenhou, pensou, planejou, pôs em prática um plano. 
Mata nos peitos: apara sobre o tórax. Expressão futebolística, referindo-se à bola numa jogada. 
Pispiano: termo arcaico - esperando em observação.
Puxou conversa: abriu um diálogo; iniciou uma conversação. 

Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli.
** Foto: Iago C.S. Passarelli, 11/10/2015.
** Informante: Aluísio dos Santos ("Ló"), São João del-Rei,  1995. 

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