Muito
mais que um simples veículo que carrega as latas cheias de leite para o
laticínio toda manhã, nas roças, o “caminhão do leite” é, além de entregador, o
integrador. Tradicionalmente faz o intercâmbio entre fazendeiros e sitiantes na zona rural.
Pelas estradas vicinais, toda manhã bem cedo, em cada jirau armado numa sombra
do acostamento, pega uma lata cheia deixada pelo retireiro, que trabalhou na ordenha desde a madrugada e deixa a vazia; leva um recado ao próximo
ponto; traz uma encomenda do povoado anterior; dá uma carona até o arraial seguinte ou a um entroncamento; carreia
notícias em geral; marca a hora do trabalho matutino.
Outrora, nas festas dos arraiais, ele trazia encarapitado em sua carroceria um punhado de devotos em romaria para as capelas. Nas queimas de judas, o boneco era amarrado em sua carroceria, preso a um pau e buzinando sem parar, chegava acompanhado de carreata, trazendo o boneco para a forca na árvore de embaúba, fincada na sua chácara.
Pelos poeirentos caminhos rurais o caminhão do leite é o veículo mais prestigiado depois do carro de bois. Estão em franco desaparecimento, substituídos pelos caminhões-tanque, com mecanismo de resfriamento. O regramento sanitário obriga a normas específicas de transporte do leite, o que levou ao desaparecimento dos veículos alternativos, que só resistem onde a fiscalização não se faz diuturna.
Com eles também vão rareando os entregadores de leite, de porta em porta, antes em carroções, como vi na Rua Antônio Rocha, em São João del-Rei, por longos anos desde a infância, em veículo fechado, de chapa metálica pintada de azul, com duas portas atrás. O condutor parava o burro, descia, abria as portas e tirava o latão de leite para venda em domicílio.
Outros entregadores o fazem ou faziam pendurando os latões em motocicletas, ou mais tradicionalmente, no lombo de cavalos. É o fornecimento de leite in natura, gordo, bom para o doce de leite, doce deleite... Rende muita nata, ideal para a fabricação caseira da manteiga e matéria-prima de quitandas, sobretudo da inigualável rosquinha de nata.
Exigências, taxas, normas. Caminhos do progresso traçam novos rumos para o produtor rural que parecem fazer de tudo para complicar sua vida, mais contribuindo para o êxodo para a periferia urbana que para mantê-lo na roça. A pequena produção de subsistência se arrasta enferma. Estas cenas pitorescas se perdem. A socialização entre campo e zona urbana se distancia, o caminhão tanque não é mais o estafeta de sítio em sítio. Ao homem do campo resta adaptar-se ou mudar para a cidade.
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Um caminhão do leite atravessa a cidade de São João del-Rei. |
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Motocicleta com latões pendurados. |
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O leiteiro vindo da comunidade do Buião, atravessa a Serra do Lenheiro
para trazer leite aos fregueses do Senhor dos Montes, em São João del-Rei. |
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Carriola manual para entrega de leite. Bairro Bom Pastor, Grande Matosinhos, São João del-Rei.
Carroça leiteira em São João del-Rei. Data, autoria e fonte não identificadas.
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Créditos
- Texto e fotografias (exceto indicação em contrário na legenda): Ulisses Passarelli.
Notas
- Revisão: 20/06/2025.
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