O título desta postagem é o nome de um personagem grotesco das antigas procissões, vestido de forma esdrúxula, com cores berrantes e adereços macabros - foices, matracas, trombetas, archotes.
Também chamado “faricoco”, “furrococo” e “fura-coco”, e ainda, "gato da misericórdia", "maceiro da misericórdia" e "morte", conforme a localidade. A tradição dos farricocos a tivemos dos colonizadores ibéricos, usual que era em Portugal e Espanha. Foi conhecido em várias cidades antigas do Brasil, como parte da tradição religiosa colonial.
O papel curioso destes elementos era, segundo CASCUDO (s.d.), "(...) anunciar o desfile religioso ou defender a ordem das filas contra a intrusão de meninos e vadios sofriam ataques, pedradas, (etc.)"
Em Goiás (Velho) é tradição ainda viva os farricocos encapuzados em tétrico desfile pelas ruas com tochas clareando sinistramente a noite na Procissão do Fogaréu.
Houve o costume do farricoco em São João del-Rei, onde Saint-Hilaire o viu em 1819, na Procissão de Cinzas, trajado de roupa amarela justa ao corpo, sobre a qual estavam pintados os ossos de um esqueleto humano. Carregava uma foice, insígnia da morte, para melhor amedrontar os circunstantes. Está desaparecido desde longa data. GAIO SOBRINHO (2010), referenciando o jornal são-joanense Astro de Minas, do século XIX, edição de 01/03/1835, menciona as pesadas críticas às peculiares...
"procissões de Cinzas, dos Mártires, da Penitência e do Enterro. Fala dos 'abusos, palhaçarias e indecências'. Trata dos farricocos como palhaços e rufiões. 'Já houve uma procissão dessas', diz, 'que ficou por muito tempo parada no meio da rua porque a Morte estava dentro de uma escada vomitando desordenadamente da grande borracheira que tomara. Ouvi dizer que há pouco tempo um Juiz de Paz quis trancafiar a Morte na cadeia. Se tal é, Deus lhe dê saúde'."
Tive oportunidade de ouvir algumas pessoas chamarem o mouro, personagem do congo do distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, de farricoco, miscigenando as duas personagens, por assimilação de funções.
"procissões de Cinzas, dos Mártires, da Penitência e do Enterro. Fala dos 'abusos, palhaçarias e indecências'. Trata dos farricocos como palhaços e rufiões. 'Já houve uma procissão dessas', diz, 'que ficou por muito tempo parada no meio da rua porque a Morte estava dentro de uma escada vomitando desordenadamente da grande borracheira que tomara. Ouvi dizer que há pouco tempo um Juiz de Paz quis trancafiar a Morte na cadeia. Se tal é, Deus lhe dê saúde'."
Tive oportunidade de ouvir algumas pessoas chamarem o mouro, personagem do congo do distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, de farricoco, miscigenando as duas personagens, por assimilação de funções.
Em São Tiago, informaram-me, que ainda a poucos anos (década de 1990) estava presente na Procissão do Enterro, vestido de roxo, encapuzado, tocando uma trombeta de tanto em tanto. Um registro seu naquela cidade vizinha é este excerto, de RESENDE (2008): “Furro-coco sopra em um instrumento estranho, a Samaritana percorre a procissão carregando ao ombro um pote de barro”, anotou a insigne professora Ermínia em suas impressões daquela aprazível cidade.
Outra cidade vizinha, Conceição da Barra de Minas, ainda os mantém, figurando na Procissão do Enterro. Anotou o professor GAIO SOBRINHO (1990): “a curiosa figura do 'Farricoco', vestido à moda de um 'sambenito' medieval”.
Depois de um período ausentes da Sexta-feira da Paixão, retornaram recentemente nessa cidade. No passado andavam com varas de marmeleiro (Cydonia oblonga, rosaceae) com que fustigavam crianças desordeiras e bêbados, que atrapalhavam a ordenação das fileiras (***). Agora, de seu retorno a Conceição da Barra de Minas, vem apenas com as matracas barulhentas, andando de dois em dois, céleres, no centro do cortejo, ora no seu sentido ora no inverso, cena pitoresca, provinciana, de rara beleza e evocação de autenticidade, matraqueando as duplas ao se cruzarem, na penumbra noturna das ruas de belo casario antigo.
Fica aqui um bom exemplo para outras cidades que o tiveram e perderam, que bem poderiam se esforçar para o retorno desta tradição. Perdido na distância temporal, fica assim relembrado mais um velho costume colonial do interior mineiro.
Farricocos, Conceição da Barra de Minas, 18/04/2014. |
Referências Bibliográficas
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de janeiro: Ediouro, [s.d.]. 930p. Verbete: Faricoco.
GAIO SOBRINHO, Antônio. Memórias de Conceição da Barra de Minas. Belo Horizonte: Imprensa Universitária / São João del-Rei: FUNREi, 1990. 253p.il. p.61.
GAIO SOBRINHO, Antônio. São João del-Rei através de documentos. São João del-Rei: UFSJ, 2010. 260p. p.226-227.
RESENDE, Ermínia de Carvalho Caputo. Acaso são estes os sítios formosos? Brasília: Estações: 2008. p.187.
SAINT HILAIRE, Auguste de. Viagens às nascentes do Rio São Francisco e pela província de Goiás. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975.
Notas e Créditos
* Texto e foto-montagem (sobre fotografias do farricoco goiano, de Affonso M.Furtado da Silva ): Ulisses Passarelli
** Fotografia do farricoco em Conceição da Barra de Minas: Iago C.S. Passarelli
*** Informante: Vicente Cirilo Ribeiro ("Vicente Cristino"), 18/04/2014.
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