Mostra-nos a história, que o Bairro Matosinhos, em São João del-Rei, era um lugar especial para a população são-joanense, uma espécie de refúgio aprazível, repleto de pomares, jardins, alamedas, incrustados em variadas chácaras e casas de campo, muito elogiadas pela beleza, qualidade do ar e pelo aspecto pitoresco. Neste cenário de romantismo, diziam que era a nossa Petrópolis, em comparação à cidade fluminense onde se refugiavam os cariocas – até a família imperial - quando queriam o sossego do interior. Fora as chácaras, só havia a igreja. E no mais era a natureza.
Calmo e pacato era o bairro, então dito arrabalde, arraial, aldeia, povoação e povoado - conforme aparece em inúmeras notícias jornalísticas do final do século XIX e início do XX. São João del-Rei era então uma pequena cidade, que fora o atual centro histórico, ia muito pouco além, com algumas casas espalhadas e os bairros mais antigos em derredor. Da cidade a Matosinhos era uma área pouco habitada; um caminho antiquíssimo, que a população denominava "Estrada da Tabatinga" e que era um trecho do Caminho Geral do Sertão. Caminho este usado pelo adentramento dos sertanistas, que trilharam sobre velhas picadas indígenas, as quais alargaram durante as bandeiras (GUIMARÃES, 1985; DERBY, 1899-A). Tal estrada se tomava pelo alto do Matola (Rua Padre Sacramento), fugindo do terreno brejoso na margem do Córrego do Lenheiro. O caminho via Rua Antônio Rocha veio bem mais tarde, após a construção da linha férrea (inaugurada em 1881), que contribuiu com os aterramentos daquela via. A Estrada da Tabatinga adentrava no bairro Matosinhos pela atual Rua Bernardo Guimarães, após atravessar o Ribeirão da Água Limpa.
As festas animadíssimas e tão concorridas atraíam a população que lotava o bairro a ponto de esvaziar a cidade, provam muitas citações de jornais daquele tempo. Estas características marcaram época. Viajantes estrangeiros registraram suas impressões em crônicas de relatos. Poetas, jornalistas e estudiosos legaram observações interessantes para a posteridade sobre o bairro afamado. Esses informes são hoje valiosas fontes de pesquisa histórica, social e folclórica.
A Igreja preocupava-se em zelar sempre pelos dogmas de sua fé católica (NASCIMENTO, 2004). Os oitocentos se encerram com o catolicismo dominando, tradicionalista, ainda de cunho colonial, embora oficialmente já se estivesse numa república. A maior preocupação da Igreja então era combater maçons, protestantes e espíritas, tidos como seres quase demoníacos na época. A romanização já começara, ainda lenta, mas imperativa em seus objetivos. Jadir de Morais Pessoa observou com perspicácia [2]:
"Tratava-se de um disciplinamento das práticas católicas, especialmente as disseminadas nas vilas e lugarejos distantes dos olhos do clero. Isso possibilitou que muitos analistas considerassem os atos litúrgicos e inclusive as festas criadas e dirigidas ao povo por esses espaços e agentes eclesiásticos como ações destinadas ao ensino e à manutenção da ordem. Todo um compêndio teológico, dogmático, doutrinário e moral deveria ser aí difundido e infundido nos fiéis que, em princípio e formalmente, não lhe opuseram resistência nem o renegaram." (PESSOA, 2005, p.34-5)
A Igreja combateu o racionalismo e a secularização dos costumes, acentuando-se tais discursos com a separação Igreja-Estado. O século XIX concluiu-se ainda assim, com a tradição católica persistindo imperativa.
- Texto: Ulisses Passarelli
Notas
- Revisão: 20/06/2025.
Referências
DERBY, Orville Adalbert. O roteiro de uma das primeiras bandeiras paulistas. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, v. 4, 1898/1899-A. p. 329-350. Disponível em: http://ihgsp.org.br/revista-ihgsp-vol-4/ Acessado em 28 dez. 2024.
GUIMARÃES, Geraldo. A Bandeira de Fernão Dias Pais de Ibituruna a S.Pedro do Paraopeba : uma hipótese a mais. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, n. 3, 1985. p. 28-48.
NASCIMENTO, Sílvio Firmo do, Padre. O tradicionalismo católico em Minas no final do século XIX. Jornal de Minas, São João del-Rei, n.40, jul. / 2004.
PESSOA, Jadir de Morais. Saberes em festa: gestos de ensinar e aprender na cultura popular. Goiânia: UCG / Kelps, 2005. 94p.
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