Santa Helena, mãe de Constantino, imperador romano,
empreendeu verdadeira caçada aos tesouros religiosos. No início do século IV
resgatou no Oriente Médio os restos mortais dos Três Reis Magos que visitaram
Jesus em Belém. Trouxe os ossos para Constantinopla, guardando-os na Catedral
de Santa Sofia. Em meados do mesmo século, Eustórgio, primeiro bispo da cidade
italiana de Milão os transportou para lá, edificando um templo próprio para os
magos. As relíquias foram conservadas num sarcófago de pedra. No ano 1164,
foram transladadas para Colônia (Alemanha), como despojos de guerra, graças a
vitória do Imperador Frederico I (dito “Barba Roxa” ou “Barba Ruiva”). Em
Colônia foi então edificada uma extraordinária obra em estilo gótico, a
Catedral dos Santos Reis, onde seus ossos ainda se encontram, numa urna
artística de ouro.
Por toda época e por onde estiveram
as relíquias, elas foram alvo de romarias. Cristãos de toda Europa vinham de
longe venerá-las e em torno dessa devoção foram criadas músicas, cantos,
danças, peças teatrais e obras de arte. No mais, os Magos tornaram-se durante a
Idade Média, modelo da realeza européia, já que foram considerados os primeiros
reis cristãos. Soberanos visitaram as relíquias e deixaram opulentas ofertas.
Os estudos do folclorista Affonso Furtado, da Comissão Fluminense de Folclore
sobre a história da tradição reiseira são um referencial no Brasil, para quem
se aventurar no estudo de tão intrincado tema.
Não é pois de admirar que por toda
Europa surgissem formas populares de louvar os Três Reis Magos por meio de
grupos folclóricos, muito arraigados aos costumes de diversos países, inclusive
os ibéricos, de onde recebemos as matrizes que deram origem às nossas Folias de
Reis e demais tipos de Reisados.
Os
relatos mostram que já no período quinhentista, ao longo da costa brasileira,
os padres jesuítas se esforçavam por criar ou aproveitar autos catequéticos
tematizados nos Reis Magos, segundo modelos europeus, adaptados à realidade
brasileira, que eram representados nos aldeamentos indígenas. Mais tarde,
adentraram pelo imenso interior do país e ganhando liberdade de expressão,
adquiriram a cor local em cada região do Brasil, gerando tipos com
características regionais. É muito claro o abrasileiramento do costume
ancestral de cantar e dançar pelo período natalino em memória da visita dos
Magos. Não nos limitamos a imitar o estrangeiro, mas tomando-o por modelo,
criamos uma nova realidade sobre ele, enriquecendo-o.
Por
toda região dos Campos das Vertentes, aqui do centro-sul mineiro, as Folias de
Reis são dentre os costumes natalinos, um dos mais enraizados e antigos e não
obstante o seu arrefecimento nos últimos trinta ou quarenta anos, ainda hoje
podem ser vistos. Mesmo em São João del-Rei, onde foram muito numerosas as
folias, ainda hoje, heroicamente e com muita dificuldade, onze grupos circulam
o município (sete na zona urbana, quatro na rural), salvo informação mais
atualizada. Não deixo de louvar a tarefa missionária dos foliões, que após o
dia de trabalho, deixam de lado o descanso para levar a mensagem de paz às
famílias. Da sua arrecadação surge a obra de caridade, praticada com toda
honestidade.
Eis
que deixo como pedido que esse mérito lhes seja desde já tributado, o de heróis
da cultura. As Folias de Reis não sobrevivem por projetos da lei de incentivo à
cultura nem por subvenções municipais. Que o poder público olhe um pouco mais
em seu favor (transporte, uniforme, instrumental, registros áudio-visuais,
etc.), como também por toda manifestação folclórica; que as pessoas as
recepcionem com satisfação nos lares agraciados com essa visita de bênção; que
prestigiem os eventos por elas enriquecidos; e por fim, que no ensino das
escolas o folclore como uma das faces da cultura da nossa terra, seja lembrado
e estudado.
A folia traz alegria aos lares. São João del-Rei.
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Notas e Créditos
* Texto: Ulisses Passarelli
** Foto: Ulisses Passarelli, jan.1993.
*** Obs.: A dona da casa recepciona a bandeira, mensageira da fé, objeto de respeito e símbolo maior do grupo. Este retrato de álbum familiar se reveste de especial significado pessoal, haja vista a bandeira estar nas mão de Vó Maria, a mesma que me serviu de inspiração para o texto "A Visita", publicado por Alzira Agostini Haddad (Atitude Cultural) na Cartilha Folia de Reis e Pastorinhas. Aparece também, ao centro da foto, o saudoso mestre "Totonho Benzedor", fundador deste grupo, no Bairro São Dimas, São João del-Rei / MG. Esta foto não fazia parte da publicação original, no jornal Pérolas do Samba.
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