(Oferecido muito respeitosamente ao grande Mestre Zé Carreiro,
ícone e baluarte da cultura xavierense)
Em todo o Campo das Vertentes o carnaval põe nas ruas o povo do lugar e os turistas, na agitação das baterias, batucadas, blocos e escolas de samba. A maioria segue a um padrão, guardadas as devidas proporções da dimensão de cada agremiação e de suas próprias peculiaridades. Mas alguns... verdadeiramente se destacam pelo desenvolvimento singular.
Entre estes está o boi de caiado, um boi de carnaval ou bloco do boi, variante simples do bumba-meu-boi, que sobrevive na cidade de Coronel Xavier Chaves, com típicas características folclóricas. Atualmente seu organizador é o Mestre Zé Carreiro (*), alcunha do sr. José do Rosário Anacleto, natural daquela cidade, 82 anos. Mestre no sentido exato que a palavra comporta no campo da cultura popular. Alma límpida e bondosa, memória notável, caráter ilibado. É capitão do congado local, responsável pela folia de Reis, canta calangos e se orgulha da longa experiência com carros de bois, que justamente lhe valeu a respeitosa alcunha. Informou ter aprendido o boi no povoado da Cachoeira, no mesmo município, ainda criança, aos oito anos de idade, quando sua mãe o levava na época do frio para acompanhar as festas juninas. Lá o boi de caiado dançava para alegria da petizada.
Passados os anos formou-se o grupo da cidade, com períodos mais e menos ativos e sob direção de outras pessoas até que o assumiu. Dele participam na instrumentação sobretudo seus companheiros de folia e congado, e outros amigos, que se desdobram em mais esta função. A bateria é formada por tarol, bumbo, surdos e caixas. A percussão forte e bem compassada, vai em batucada pelas ruas e cantam sambas e marchinhas típicas do carnaval, sem canto específico.
Saem do bairro Vila Fátima, antigo Tanque. O nome primitivo se referia a um tanque ou dique (mundéu) que retinha a água usada para mover a roda d'água do engenho de cachaça e para serviços de faiscagem de ouro. Tradicionalmente é uma comunidade com características de quilombo urbano, que conserva intensamente uma parcela importantíssima e fundamental da cultura xavierense e que merece toda atenção.
Saem do bairro Vila Fátima, antigo Tanque. O nome primitivo se referia a um tanque ou dique (mundéu) que retinha a água usada para mover a roda d'água do engenho de cachaça e para serviços de faiscagem de ouro. Tradicionalmente é uma comunidade com características de quilombo urbano, que conserva intensamente uma parcela importantíssima e fundamental da cultura xavierense e que merece toda atenção.
Os instrumentistas formam o âmago do bloco, após os quais seguem foliões, enfeitados ou não, que aderem à batucada rua afora. Os bois em si tem posição totalmente livre, com movimentação ampla pelas laterais, ora na dianteira correndo atrás das crianças ora de recuo vão à retaguarda como se numa ronda. Fazem mesuras para os adultos, salamaleques graciosos e despertam a empatia das pessoas. A alegoria de boi é movida por um animado brincante, que põe em polvorosa a criançada, que corre espavorida das investidas do bicho. O boi é bravo e sonso. Finge de manso e quando as crianças se aproximam confiantes, avança, mas logo recua. Faz volteios, corrupios. Não é agressivo. Correr atrás faz parte da brincadeira e em verdade é sua maior graça. Já por isto, dentro dessa regra, as próprias crianças provocam bastante o boi, estimulando-o à perseguição. Não há violência alguma. Tudo transcorre de forma espontânea, eivada de alegria e harmonia.
O boi em si é simples, no estilo de feitura do chamado "boi mole" (sem arcabouço), cabeça natural (caveira do animal), presa a um pau de suporte. Cobertura por tecido estampado, tipo chita, relativamente curto, o que deixa visível as pernas do brincante que se mete debaixo da alegoria. O boi dança e corre em postura verticalizada.
O bloco vai se encorpando pelo caminho rumo à área central da cidade. Mais gente vai aderindo ao seu balanceio contagiante. Seu ritmo não deixa ninguém parado...
Quanto ao nome, explicou Zé Carreiro que desde sua infância o nome já era este, boi de caiado, como se dizia na Cachoeira. Não soube explicar a origem. Apenas disse que é tradicional e foi mantido (*).
No geral o boi de caiado se assemelha a outros bois de carnaval que ocorrem no sudeste brasileiro, independente de seu nome específico. Mas guarda em si o atrativo individual do seu modo de ser. Ele se aclimata às velhas ruas da antiga cidade mineira; ele se contextualiza à vivência comunitária. O boi de caiado é um patrimônio imaterial de Coronel Xavier Chaves e merece todo o prestígio.
1- Boi de caiado: manifestação tradicional da cultura popular xavierense. |
2- Mestre Zé Carreiro no interior do salão comunitário explica sobre o boi. |
3- Aspecto do Salão Comunitário da Vila Fátima, de onde sai o boi. |
4- Gruta de Nossa Senhora de Fátima, ao lado do salão. |
5- Boi do outro grupo do lugar, também guardado no salão. |
6- Bloco do boi na rua, numa ladeira da Vila Fátima. |
7- "Boi Marchetado" (esquerda) e "Boi Marchante" (direita): os dois bois do bloco. |
8- Passagem do bloco do boi pelas ruas da Vila Fátima chama à atenção os moradores. |
9- O boi desperta empatia, carisma e alegria. |
10- Mestre Zé Carreiro puxa na dianteira junto aos amigos instrumentistas. |
11- Bloco em marcha. |
12- A criançada fica em polvorosa com a passagem do boi de caiado. |
13- Outro aspecto da brincadeira de correr atrás das crianças. |
14- O casario faz plano de fundo compondo a paisagem cultural. |
15- Os bois avançam e deixam a bateria para trás... |
16- Marcha da Vila Fátima ao Centro. |
17- A crianças provocam o boi, incitam alegremente as correrias. |
18- As crianças não permitem descanso do boi! |
19- O bloco animado transcorre em paz e harmonia. Cidade limpa e de jardins bem cuidados. |
20- Igreja do Rosário: cartão postal do município. Patrimônio rico e bem cuidado. |
Vídeo
Boi de Caiado, 13 de fevereiro de 2018
Notas e Créditos
* Obs.:
1- Após a publicação deste texto, uma gentil e pertinente observação do Dr. Marcos Paulo de Souza Miranda, levantou a hipótese plausível do nome "caiado" ser corruptela de "gaiado": chifrudo, o que tem gaias (galhas) grandes. Numa segunda interpretação lembrou da designação aplicada ao tipo de pelagem de animal fazendo redemoinhos dos pelos do peito ou pescoço; cavalo-gaiado: o que tem torvelinhos nos pelos. Ambas interpretações são possíveis. Fica explicitada esta observação e com ela nossa gratidão.
2- agradecimentos especiais ao Mestre Zé Carreiro, pelo gentil acolhimento e pelas informações prestadas.
3- Leia também neste blog a respeito de outro bumba-meu-boi da região:
BOI-MOFADO: pérola do carnaval de Prados.
BOI-MOFADO: pérola do carnaval de Prados.
** Texto e acervo: Ulisses Passarelli.
*** Fotografias: 3, 4, 5, 8, 12, 16 - Ulisses Passarelli; demais fotografias - Iago C.S. Passarelli.
**** Vídeo: Iago C.S. Passarelli.
***** Revisado e ampliado em 31/03/2024.
Que maravilha! Foi muito emocionante seguir e reviver as lembraças de infantes. Parabens pela postagem !
ResponderExcluirCom gratidão pelas palavras lhe dou boas vindas ao blog. Continue acompanhando as postagens.
ExcluirBelos registros. O Patrimônio Imaterial das Vertentes é um espetáculo. Muito obrigado.
ResponderExcluir