Em vários municípios do Campo das Vertentes, as tradicionais folias de Reis estão saindo às ruas em sua jornada de visita aos lares. Rua afora, em viagem silenciosa, em caminhada sagrada, param diante das casas e tocam suas violas, violões, cavaquinhos, sanfonas, caixas, pandeiros, triângulos e xique-xiques, sempre precedidas por uma bandeira bastante adornada, na qual se estampa o santo festejado, alvo de todo respeito e carinho dos foliões e moradores visitados.
Dentro das residências ou diante delas, entoam seu cântico típico, saúdam os presépios prioritariamente, depois aos anfitriões e de praxe se recolhe uma oferta, para obra da caridade ou para o festejo religioso. Em algumas circunstâncias as folias vem à rua com o objetivo de recolher ofertas para uma certa coleta, cuja destinação já é determinada e consensual. Assim, por exemplo, para edificação ou ampliação de uma capela, ou para aquisição de bancos para a mesma. Uma vez cumprida a função, no outro ano, o produto das espórtulas segue outro destino, qual seja, a obra de caridade: aquisição de cestas básicas para famílias carentes, de cadeira de rodas, custeio de uma conta de farmácia ou iluminação de algum carente absolutamente impossibilitado de pagar, doação para uma creche, etc, ou outro destino que os responsáveis definirem com os seu pares, como a promoção de um festejo, melhorias no uniforme ou no instrumental, custeio de uma romaria ou participação num festival de folias.
É interessante observar o prestígio das folias, que carregam algo como que uma carga de bucolismo em si mesmas. Muitas e muitas famílias as recebem saudosas da época que seus pais e avós, amantes ou até participantes de folias em sua época, nutriam um carinho especial por esta manifestação. Para muitos, receber uma folia, ofertar um lanche aos folieiros, perfumar sua bandeira ou ornar com mais flores e fitas é remorar o que os pais faziam, repetir, sequenciar, e porque não, em certa medida, "honrar pai e mãe". Então, com frequência, vemos os anfitriões levados à emoção e a bandeira ganha ainda mais uma parte no sagrado, quando os donos da casa enxugam suas lágrimas no próprio tecido da mesma. A bandeira gera e absorve emoções. E isto é incomensurável! Somente ao se presenciar é possível parcialmente aquilatar o significado intrínseco de uma visita de folia de Reis. Descrever não é possível.
Por outro lado, há gente que não veio dessa formação cultural, que recebe de curiosidade, ou apenas não recebe, senão mesmo, menospreza, o que é lamentável. Mas os folieiros humildemente seguem seu caminho e só em casos excepcionais fazem o "descante", assim chamada a cantoria de resposta atrevida a uma grande desfeita, como que simbolicamente retirando o que fora antes cantado.
Essa curiosa relação entre visitantes e visitados se configura também na observação dos anfitriões à qualidade e respeito da folia à moradia. Os proprietários observam atentamente a educação dos folieiros, o respeito ao espaço alheio, se estão bêbados, se pedem licença para entrar, permissão para parar os instrumentos, se saúdam os objetos religiosos da casa, se mantém a discrição ou se ficam observando os detalhes da residência visitada, o comedimento, enfim. Além da questão comportamental, os donos das casas agraciadas notam bem a afinação das vozes e a destreza com os instrumentos musicais. O conjunto disto tudo pontua positivamente a folia, que ganha conceito na voz popular e de outro ano é sempre bem vinda. Seu renome a antecede. Ao contrário, se as regras são eventualmente descumpridas, a visita pode ser rejeitada ou a recepção acontece mas não de forma calorosa.
Para uns e outros a folia carreia bênçãos sobre as habitações. A passagem da bandeira e a energia do canto evocam graças, que recaem sob a forma de saúde, fartura, união, paz e proteção. Daí, sobre esta crença benéfica, se constrói o carinho dos moradores às folias. Quanto mais respeitosa a folia e quanto mais o embaixador souber formular versos sobre o universo sagrado vivenciado pelas folias, maiores e mais certeiras serão essas bênçãos. A folia teria o dom de expurgar os males das casas, as pragas das plantações, afastar assombros, trazer o consolo.
Na despedida a bandeira sai na frente, como uma guia que antecede aos folieiros. Ao sair ouve-se:
_ "Viva Santos Reis!
_ Viva!!!
_ Viva o Menino Jesus!
_ Viva!!!
_ Viva o povo dessa casa!
_ Viva!!!"
E então é inevitável a senhora e o senhor dizerem o "muito obrigado pela visita", o "vai com Deus, gente", o "ano que vem vocês voltem!"
Eis algumas breves notas sobre a relação entre folias e moradores, apenas superficiais, como contribuição modesta à difusão dos valores dessa histórica manifestação cultural de nosso patrimônio imaterial.
De natureza meramente ilustrativa, sem relação direta com o conteúdo desta postagem, seguem duas fotografias de uma das folias de São João del-Rei na atual jornada.
Folia de Reis "Embaixada Santa" visitando uma residência na Vila Nossa Senhora de Fátima, Bairro Matosinhos, São João del-Rei. |
Folia de Reis "Embaixada Santa" visitando o Salão Comunitário da Vila Nossa Senhora de Fátima, Bairro Matosinhos, São João del-Rei. |
Notas e Créditos
* Texto: Ulisses Passarelli
** Fotografias: Iago C.S. Passarelli, 28/12/2017
Última revisão: 27/10/2024
Nenhum comentário:
Postar um comentário