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segunda-feira, 3 de abril de 2017

Mascar fumo; cheirar rapé: outras formas de tabagismo

Além do hábito de fumar o tabagismo encontra outros desdobramentos menos comuns que costumam gerar curiosidade em muitos, por causa da estranheza que impõe: a prática de mascar fumo e de cheirar rapé, ambas em verdade caindo em ocaso ante a conscientização dos riscos à saúde que as campanhas veiculam e as próprias mudanças de costumes sociais. Ao uso do tabaco este blog dedicou uma postagem. (*)

No passado era comum, sobretudo nas áreas rurais, algumas pessoas carregarem consigo um pedaço (“lasca”) de fumo de rolo e dele cortarem uma pequena porção e lançarem-no à boca. Por longo tempo põe-se a mastigá-lo, lentamente. De tanto em tanto cospem um bocado de saliva saturada do caldo produzido. O hábito considerado repulsivo por muitos, aparenta origem indígena. Assim como o hábito de fumar, o de mascar também gera seu vício e os praticantes o fazem por muitos e muitos anos de sua vida. Estes garantem que traz benefícios aos dentes, afastando cáries, tanto mais ao intestino, por isentá-lo dos vermes. Portanto, sob este aspecto, é mais um remédio popular. A bem da verdade é um hábito em franco desaparecimento, que apenas sobrevive em lugares recônditos entre pessoas bastante idosas, conforme observação no Campo das Vertentes.

CASCUDO [s.d] dedicou um verbete ao assunto denotando sua origem tupi, difundida em formas e territórios diversos, mas apontou práticas semelhantes "pela Europa do norte, Inglaterra, Holanda". Fez sua aproximação desde a masca do fumo como outras folhas até nosso chiclete. Citando o relato de Antonil, atestou sua antiguidade entre nós: "homens há que parece não podem viver sem esse quinto elemento; cachimbando a qualquer hora em casa, e nos cachimbos, mascando as suas folhas, usando de torcidas, e enchendo os narizes deste pó." (in: Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e minas, 1711). 

Já o cheirar rapé ainda se encontra, na cidade e nas roças. Também rareou seu uso mas em relação ao marcar fumo é nitidamente mais usado. Rapé é basicamente tabaco torrado reduzido a pó. É acondicionado em pequeninas latas com tampa, para se trazer na algibeira, no bolso da calça, camisa ou paletó. Outrora, quando era um hábito muito arraigado, traziam-no também em pequenas bolsas de couro ou tecido de trama bem fechada, que chamavam “bocetas” (de bolseta, ou seja, pequena bolsa de guardar objetos, à semelhança de um porta-moedas ou porta-níquel).

O rapé se adquire pronto em tabacarias, mas onde as lojas especializadas em artigos para fumantes não existem, o consumidor produz o seu próprio. O modo artesanal é o seguinte: pica-se o fumo de rolo em pedaços bem pequenos, que são a seguir levados a uma frigideira não untada. Ao fogo o fumo deve ser mexido para não queimar. Deve ser torrado de maneira uniforme. Na sequência, o conteúdo da frigideira é despejado em superfície plana onde é moído por ação do movimento de vai-e-vem de uma garrafa deitada. A seguir o fumo já reduzido a pó é coado para remoção de grânulos maiores, que podem ser novamente submetido à moagem. A substância deve ser bem homogênea.

Cheira-se tomando um pequeno punhado entre a ponta dos dedos polegar e indicador e leva-se a uma narina, aspirando, depois igualmente na outra. Alguns usam tampar uma narina com um dedo enquanto se aspira com a outra. Cheiradores de rapé costumam compartilhar entre si provas de seu produto. Oferecem ao colega: “dá uma cheiradinha no meu rapé, compadre” ou “experimenta este rapé”. Faz parte, como um ritual de compartilhamento e muitos tem prazer nisto.

O rapé induz ao espirro. É muito comum que após cheirar o indivíduo se ponha a espirrar uma ou mais vezes; tanto mais, julga que é melhor o produto, pela qualidade do fumo empregado, mais forte ou mais fraco. Justamente ao espirro atribuem empiricamente o processo de limpeza corporal. Acreditam os usuários que o rapé desobstrui as vias respiratórias e contribui para expectoração.

São especialmente procurados os rapés que possuem acréscimo de certos pós adicionais, produzidos a partir de plantas de uso na medicina popular: umburana, cânfora, eucalipto. A estes dão maior valor como remédio, para combate a alergias respiratórias, rinite, sinusite. Eis a crença popular dos usuários. Para sinusite é especialmente procurado o rapé de girassol, que não leva tabaco. A semente do girassol deve ter a casca quebrada para extração do “miolo” (gérmen) e este é torrado e moído da mesma forma.

Nunca é demais afirmar que este blog não recomenda nenhuma destas práticas pelos efeitos maléficos que o tabaco gera sobre a saúde humana e o vício que produz. Não há comprovação científica da eficácia medicinal do hábito de fumar, mascar fumo ou cheirar rapé, tão pouco dosagem segura para uso. O registro nesta página é de natureza exclusivamente etnográfica, pelo valor folclórico que traz em si.

Um punhado de rapé na latinha e uma lasca de fumo de rolo.
São João del-Rei/MG, 03/04/2017. 

Notas e Créditos

* Leia a neste blog a respeito do fumo:
  FOLCLORE DO TABACO: as múltiplas faces do fumo na cultura popular

**Texto e fotografia: Ulisses Passarelli


Referência Bibliográfica

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, [s.d]. 930p.

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