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quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Na minha terra se fala assim - parte 14

Babujar – sujar de baba, misturar com saliva, beber algo direto no gargalo (sem usar copo, caneca ou xícara). Ato repudiado por ser anti-higiênico. Beber no bico: por a garrafa na boca _ é o próprio ato de babujar, mesclar o conteúdo com cuspe, saliva.

Baquiado – que sofreu um baque, uma queda, resvalo. Enfraquecido. Decadente.

Biboca – ou biriboca. Palavra de origem indígena: escondido (no sentido de recôndito); longínquo. “Fulano mora num biboca”. “Não vou lá naquela biriboca.”

Boia – comida. Para efeito deste vocabulário o termo não é abordado no sentido do verbo boiar (flutuar), aquilo que boia, flutua; o sentido é de alimento: “comer a boia” (almoçar ou jantar), “boiar” (alimentar); “a boia está fria”.

Café com leite – neutro, peso morto, não essencial, dispensável. Refere-se a pessoas que estão participando de algo, mas nada estão somando. Se forem retiradas tudo continua como antes. “Fulano é café com leite”. Jogador de futebol que em campo não joga nada; o mesmo que dente de leite.

Chispa1- fagulha, labareda: “uma chispa de fogo iniciou a queimada”. 2- ordem para ir embora com rapidez: “chispa, menino!”; ou seja, corre, vá, saia daqui, fuja. O verbo chispar significa correr, no sentido de fuga espavorida. “Passou chispando...”.

Conversa vai, conversa vem – diálogo cheio de voltas sem chegar ao âmago da questão; rodeio de palavras que não focam o assunto; prévia numa conversa antes de se abordar o tema principal. Expressão intermediária inserida numa narrativa, para indicar que além do que está sendo narrado, houve ainda, muita conversa antes de se chegar ao fato e a seguir, após enuncia-la, se narra o fato.

Dar sopa – dar bobeira, marcar touca, não se acautelar, descuido, falta de prevenção.

De tanta preguiça a minhoca ficou sem osso – expressão usada diante do inerte, passivo, preguiçoso ao extremo. Tem antes o caráter de insulto que de conselho ou lição moral, por isto se qualifica como expressão e não ditado, não obstante o tamanho do enunciado e a imediata aparência proverbial.

Descambar – mudar de direção repentinamente e contra a vontade, inverter o lado que se ia, descer um morro, tombar numa grota ou montanha, despencar, cair na ribanceira. “A bicicleta descambou com ele ladeira abaixo.”

Desfiar o rosário – contar uma longa e lamentosa narrativa; externar problemas íntimos e angústias; desabafar as decepções contando a alguém.

Dois pesos, duas medidas – agir de uma forma com uma pessoa e de outra forma com outra; tratar uma situação de uma maneira e noutra ocasião, mudando os sujeitos, tratar de outra maneira. Medida sem imparcialidade. Abordar de forma distinta a ricos e pobres. Discriminar.

Dose – situação desagradável, constrangedora; diálogo ruim: “é dose!”; “foi dose!”. Diz-se do que é difícil suportar. Por vezes vem intensificado sob a forma de expressão: dose pra leão; dose pra elefante; dose pra cachorro. Sempre é usado de forma exclamativa e reticente. Pessoa de difícil convívio social: “fulano é dose!” Parece uma alusão a uma dose de bebida ardente ou de remédio amargo, difícil de ingerir.

Dragão – pessoa desprovida de qualquer padrão de beleza; muito feio. Palavra de insulto.

Em cima do riscado – corretíssimo, alinhado, sem qualquer erro.

Encafifar – cismar, desconfiar, suspeitar. Permanecer em longo silêncio como se buscasse na mente uma resposta para algo: estar encafifado.

Esganar1- atacar, avançar, agredir de unhas e dentes. Sinal de ferocidade: “começaram a brigar e a mulher esganou o marido...” 2- comer compulsivamente e sem regras mínimas de boa educação: esganado (devorador), esganação (fome desmedida).

Fazer gato e sapato – ou fazer de gato e sapato. Fazer o que quiser com alguém, desrespeitar, humilhar, ofender, menosprezar, minimizar, desqualificar, abusar de uma pessoa: “xiiii... dava dó de ver; fez gato e sapato dela!”

Ficar pianinho – cumprir rigorosamente as regras; obedecer fielmente; não reclamar de nada. Manso. “Fica pianinho, filho, pra você não ser demitido!”

Filar – tomar (no sentido de usurpar), tirar uma porção, pegar algo que não lhe pertence. Pequeno furto. Filão: quem tem o mal hábito de filar.

Firme igual prego no angu – expressão bem humorada: sendo o angu mole, um prego nele fincado jamais poderá ter firmeza. Muito usada na conversa corriqueira, no ato de se cumprimentar um amigo: “_ ô fulano, bom dia! Como está? Firme?” ao que se responde: “ _ Firme igual prego no angu!”. Não é raro que se siga uma risada. Está subentendido que aquela pessoa passa por qualquer dificuldade ou limitação, preocupação ou descontrole, mas que leva com bom humor e resignação. Também se diz: “firme igual bosta”; “firme igual prego na gelatina”; “firme igual prego na bananeira”. No sentido de amenizar uma vicissitude não deixa de ser uma expressão de eufemismo.

Fogo – termo exclamativo, que indica uma situação agitada, com certo descontrole, hiperatividade: “É fogo, viu!”. “Ele é fogo!”. Para se qualificar o comportamento de um indivíduo por vezes se torna em expressão: fogo na roupa ou fogo no cu. Já a expressão fogo de palha tem outro sentido: indica uma pretensão passageira, brevidade de uma intensão, ação descontinuada, falta de persistência para alcançar o objetivo, algo que começa com intensidade e rapidamente decai.

Fora de hora – em horário impróprio. Tarde da noite. Além do horário de convívio familiar.

Inhambado – atrapalhado, descontrolado, desgovernado. “O serviço tá todo inhambado”.

Invisão – visão assombrosa, aparição espectral, vidência fantasmagórica.

Joia – ótimo; excelente. “O concerto estava joia!”; “o sapateiro arrumou a sandália e ficou joia”.

Lereia – conversa fiada, diálogo sem proveito, palavreado sem sentido, rodeio de expressões.

Lomba – ou lombeira. Soneira, sonolência, preguiça. Vontade extrema de descansar, dormir nas tardes quentes e após se alimentar muito. O mesmo que timoneira.

Matar quem está me matando – matar a fome, comer, alimentar-se.

Meia pedra; meio tijolo – mais ou menos. Diz-se daquilo que não se pode ter exatidão. Razoável.  “_ Como você está passando? _ Ah, vou levando... meia pedra, meio tijolo.”

Meio de mundo – ermo; lugar despovoado e longínquo, ambiente inculto, paragem que não tem nada. “Lá é um mei’ de mundo danado!”

Michorna – bagunça, desordem, ambiente desregrado. “Isso aqui tá uma michorna ...”

Não está com nada no balaio – insignificante, inexpressivo, sem representatividade, de pouca influência, sem poder de mando. “Fulano não está com nada no balaio!”

Não faz falta nem fartura – expressão usada para qualificar negativamente uma pessoa, cuja presença ou ação nada soma nem subtrai; pessoa cuja presença é dispensável. Peso morto. “Não precisa chamar fulano pra reunião; ele não faz falta nem fartura”.

Pandu – barriga; estômago. Encher o pandu: comer muito, devorar.

Pele e osso – magérrimo, caquético. “O cachorro tá pele e osso”.

Porongo bobalhão, idiota, apalermado, sem expediente, sem pró-atividade.

Rompante – arrogância, petulância, modo agressivo de se expressar. Falar com rompante (com impetuosidade). Chegar num rompante (sem humildade).

Sacalão – balançar com vigor, sacudido brutal, resvalo forte. “Tomou um sacalão”.

Saco de batatas – pessoa inerte, entregue à preguiça. “Levanta daí, saco de batatas!”

Sungar – suspender (no sentido de erguer); levantar. “Sunga a tábua”, diz o pedreiro ao servente.

Tilosca – considerável, significativo, desejável. É termo sempre exclamativo e enfático, usado para indicar a opinião quando não se convém usar as palavras formais: “Ô tilosca!”.

Timoneira – grande sonolência durante o dia, não o sono normal que vem à noite. Desânimo extremo ao calor do dia. Bocejos subsequentes e muito próximos uns dos outros.


Tratar a pão de ló – cuidar com todo zelo; tratar da melhor forma possível, não apenas no sentido de alimentar com fartura e qualidade. Dar o melhor de si para outrem. 


Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli

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