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terça-feira, 30 de agosto de 2016

Adeus, agosto; bem vindo, setembro!

Agosto (*) é um mês esquisito, um clima indefinido, indefinível... transição entre inverno e primavera, nem frio, nem quente, ou, ao mesmo tempo, frio e quente; seco, sempre seco; vento sobre vento. Frio de noite, calor de dia. Rajadas inesperadas sopram sobre as folhas das árvores. A secura das pastagens tornam o período terrível para o gado, que emagrece demais. Córregos secam. Queimadas por toda parte acinzentam os campos. Apenas o ipê de florada exuberante contraponteia a secura com seu colorido vivaz. 

O homem do campo roça, capina, faz coivaras; prepara a terra _ cavuca, ara, faz leras, covas de plantio _ mas não lança sementes, que não nasceriam no chão esturricado. 

Eis agosto. Natureza desfavorável à fartura, à criação. É agouro só...

Ninguém queima no dia dez de agosto. É a data de São Lourenço. O santo morreu tostado em martírio numa grelha. No seu dia a queimada ofende o santo e se torna descontrolada. Um pé de vento lança fagulhas no ar; redemoinhos inesperados lançam tição aceso além do aceiro, na mata e o fogo faz um estrago medonho. 

Em agosto o cão fica estranho, pega mais fácil a "raiva" (hidrofobia). É "mês de cachorro louco" (**). Então se apega com Santa Quitéria que é a santa que previne essa virose terrível. As avós ensinavam que se em nossa direção viesse um cachorro em atitude agressiva tinha que se dizer com firmeza e rapidez: "São Roque! São Roque! São Roque!", assim, três vezes, que é número mágico, que garante efetividade. O bicho parava de repente e depois mudava de direção sem atacar o devoto. 

São Roque é festejado a 16 de agosto. Morreu novo, de peste negra. Sua imagem mostra um cachorro lambendo suas feridas. Pois bem. São Roque nos terreiros é sincretizado com Obaluaiê, o grande orixá que tem domínio sobre as doenças dermatológicas, forma jovem do orixá Sr. Omulu (o Velho), ambos, senhores dos exus. Portanto agosto é mês de exu. Nos terreiros, conforme a linha ou orientação espiritual, os médiuns cumprem obrigações, preceitos, fazem oferendas especialmente dedicadas a esses mensageiros universais. 

Nas igrejas e capelas poucas festas expressivas acontecem. No primeiro domingo é vez do Senhor do Bonfim, cujo dia oficial é 06 de agosto; no meio do mês é a vez do Trânsito de Nossa Senhora, uma festa litúrgica que envolve três título marianos: dia 14, Nossa Senhora da Boa Morte; dia 15, Nossa Senhora da Assunção e Nossa Senhora da Glória. O ensinamento catequético prega que Maria não teve uma morte comum como nós outros, mas uma forma especialíssima, chamada "dormição" e foi levada de corpo e alma aos céus em sua assunção e para glória foi coroada como rainha aos pés da Santíssima Trindade. Porém, dos três títulos, o mais marcante é o primeiro, que se excede em popularidade aos demais e chega a nomear a própria festa, "Festa da Boa Morte". 

Bom fim; boa morte. A morte santificada, como um prêmio ao comportamento cristão modelar, glorificação de uma vida santa. 

Via de regra as noivas não gostam de casar em agosto. Dá azar. Logo dana a brigar com o esposo e não tarda a separação. 

"Agosto é mês do desgosto". Então se reza, para que as coisas aconteçam "a gosto de Deus..." Muitas mortes acontecem, e não faltam referências a personalidades falecidas nesse tempo, o que só fortalece a fama de agosto. 

Não se tem certeza das razões dessa fama macabra. O oitavo mês do ano tem esse nome em homenagem ao Imperador Romano César Augusto. 

Agosto, o mês negativo, se despede. Os crédulos respiram aliviados. Setembro se aproxima e com ele a primavera, a regularização climática, a esperança de chuva, a fertilidade dos solos. As festas reiniciam. A vida é um ciclo, a cultura popular também, porquanto seja parte dessa vida. Os congadeiros se aprontam: vai começar a temporada de festejos em honra ao rosário! Salve, Maria!

Cartaz da Festa do Rosário no Bairro São Geraldo,
São João del-Rei, setembro/2016. 

(papel couché, 29,5 x 41,7cm)

Cartaz da Festa do Rosário no Bairro São Dimas,
São João del-Rei, setembro/2016.

(papel couché, 29,3 x 41,7cm)

Referências Bibliográficas

COSTA, Gutemberg. Agosto: mês de desgraça e desgosto. O Mossoroense, 30/08/1998, Mossoró. p.2. 

Notas e Créditos

* Agosto é também o Mês do Folclore, tendo no dia 22 sua data comemorativa, em memória a William John Thomms, o inglês que nos legou essa palavra e a base de seu conceito: folk-lore. Sobre este assunto ver:

FOLCLORE NOSSO DE CADA DIA

FOLCLORE, CULTURA POPULAR E PATRIMÔNIO IMATERIAL

** Uma das crenças regionais diz que o cachorro enlouquece devido à forte dor que sente ao contrair miíase ("bicheira") no ouvido.
*** Texto e fotografias: Ulisses Passarelli

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