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terça-feira, 15 de março de 2016

A Morte do Quilombola

Segue o registro de mais um conto popular, desta feita na modalidade "causo", narrando a passagem de um escravizado fugido, de idade avançada. Paralelo à sabedoria do homem simples, a nota maior é a reflexão sobre a salvação da alma. Foi relatado em São João del-Rei, como sendo muito antigo... 

*  *  *

Diz que foi no tempo do cativeiro, a cento e tantos anos atrás... Certo padre em longa jornada, ao passar à cavalo em um ermo de serra, beirando umas grotas, avistou uma tapera e nela um velho fugitivo das correntes do cativeiro. O quilombola estava em agonia de morte. O padre imaginou que não haveria outra oportunidade e querendo salvar a alma do quilombola, pediu para ele: 

_ Fala: "Jesus, Maria e José!"

Mas o moribundo já muito idoso, pleno em humildade, simplório ao extremo, só conseguiu com dificuldade dizer: 

_ "Cará na maromba tá que nem fubá..."

Tantas vezes o sacerdote pediu ao preto idoso que falasse o nome de Jesus, tantas ele repetia a mesma frase, refletindo sua única ambição, que nem sequer tinha força física para cumprir: colher cará [1] na maromba, um cercado improvisado com varas, pois o alimento estava no ponto da colheita, sequinho, igual fubá. 

E assim entregou-se à morte. O padre, certamente, entendeu que apesar de não ter dito o nome do Salvador aquela alma estaria salva pela misericórdia do Pai, em virtude das agruras que a vida lhe proporcionou e a pureza que conservou consigo. 

Créditos

- Texto: Ulisses Passarelli.
- Informante: Aluísio dos Santos, São João del-Rei, jan./1994.

Notas 

- Cará: conhecido por cará-do-ar, cará-de-cerca ou cará-de-pedra é uma planta trepadeira que produz tubérculos comestíveis. Pertence ao gênero Discorea. 
- Revisão: 09/05/2025. 

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