No último dia 24, Domingo de Pentecostes, encerrou-se em São João del-Rei a tradicional Festa do Divino, um jubileu que acontece no Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos. O dia maior foi o mais animado dos últimos cinco anos e a sua organização evoluiu.
|
Andor do Divino Espírito Santo. |
Como de costume, pelas oito da manhã começaram a chegar os dançantes de diversos congados convidados, que logo seguiam para o salão, onde lhes foi servido o café da manhã com pães e quitandas. Cada qual entrou e saiu cantando do salão e de praxe com versos de gratidão pelo desjejum oferecido.
|
A mesa do café da manhã. |
Na sequência, tomando o largo, apresentaram-se ao povo ou dançaram no adro quando a celebração festiva já tinha terminado. Então rumaram para o Salão de Santo Antônio, para recolher o reinado. Cantaram suas saudações aos reis, rainhas, príncipes e princesas. É de se notar que o referido salão ladeia a linha férrea e quando o trem passa, a atmosfera como que se carrega de nostalgia e simbolismo: os dançantes de fora da cidade, não afeitos a ver a maria fumaça, logo se voltam para vê-la fumegando e os passageiros por sua vez, turistas, fixam aquela visão colorida e fugaz dos congadeiros, em retratos e vídeos. O apito da locomotiva se mescla aos tambores e sua fumaça evoca um incenso. Cortejo de retorno formado, a guarda de Passa Tempo é a última, pois cabe ao moçambique mais antigo na festa trazer a 1ª coroa e seu Capitão-mor, sr. Luís Maurício, é o Capitão de Coroa desse festejo desde 1999.
A chegada à igreja é esfuziante e os coroados foram deixados no interior do templo, enquanto os congados passaram diante do altar e saudaram o sagrado com muito carinho. Seguiram para o almoço. A chamada dos reis e rainhas deu-se nesse momento.
O almoço é um momento de grande confraternização, instante no qual dançantes de várias guardas de congado e cidades se irmanam num burburinho imenso, conversando alegremente. A equipe da cozinha é grande e zelosa e todos os anos trabalha com afinco para servir centenas de refeições gratuitamente. Cada grupo agradeceu o alimento e saiu do salão dançando rumo à Praça de Santa Terezinha. Lá, onde um mastro sinalizou a comemoração, foram em visita à igreja, onde o andor do Rosário, muito bem enfeitado de flores, recebia uma verdadeira peregrinação de congadeiros. As guardas entravam dançando pela porta principal da Igreja de Santa Terezinha e saíam pela lateral, sucessivamente. Muita gente moradora dos arredores juntou na praça para assistir.
Montou-se o cortejo imperial, retornando ao santuário. A praça estava cheia de dançantes e de assistência. O vilão de Perdões após exímia apresentação individual, alegre e colorida com a percussão de varas enfeitadas, dividiu-se em duas alas e seguiu pela lateral do cortejo, de fora a fora, até a dianteira, assumindo-a, como sói acontecer com as guardas de corte. Na sua dianteira só o grande estandarte do Divino de abre-alas. Se o vilão é o primeiro, o moçambique é último, o do Capitão de Coroa, como já foi dito, seguido pela corte do Imperador, o próprio e seu futuro substituto, com todo aparato habitual e o andor do Rosário. Entre o moçambique e o vilão, seguiam os outros congados, cada qual com seu ritmo, fardamento peculiar, musicalidade específica, cantares, danças, adereços, instrumentos: pelo estilo dos catupés, vieram aqui mesmo da cidade, dos bairros: São Dimas (Capitão Moacir Santana), São Dimas (Capitã Maria Auxiliadora, uma guarda mista, que também bate moçambique), Matosinhos (Capitão Tadeu), Restinga (Ritápolis), Ritápolis (cidade), Resende Costa (Terno São Cosme e São Damião), Coronel Xavier Chaves, Conceição da Barra de Minas, Santa Cruz de Minas, Prados e Cláudio; marujos do Capitão Ganair (presença assídua desde 1998), de Conselheiro Lafaiete; congos de Itutinga, Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno (São João del-Rei) e São Gonçalo do Amarante (São João del-Rei); moçambiques bate-pau de Santana do Garambéu, Paraíso Garcia (Santa Rita do Ibitipoca) e Barroso; e ainda outros moçambiques, do tipo jomba: do Bairro São Geraldo em São João del-Rei (bandeira de Santa Efigênia), do Bairro Solar da Serra da mesma cidade (também uma guarda mista que bate igualmente catupé), de Macaia (Bom Sucesso), Bom Sucesso (cidade), Ibituruna e Pedra Negra (Ijaci). Notória a presença do grupo do Rio das Mortes, que não tem o costume de sair para outras festas como esta e foi por todos muito bem visto e admirado.
|
Reinado e Imperador chegam ao Santuário. |
O cortejo serpenteou pelas ruas de Matosinhos até chegar ao santuário. A musicalidade impressionante tomou conta de todo o itinerário. Na entrada, já o Imperador Coroado sob a umbela recepcionava cada grupo e ofertava uma lembrança da festa, uma peça artesanal simbolizando a pombinha do Divino. Todos os grupos novamente fizeram entrada por dentro do Santuário lotado, sob uma assistência atenta, que também estava no adro, fazendo um corredor para a passagem dos congados.
A missa solene, celebrada pelo Bispo Diocesano, Dom Célio de Oliveira Goulart, contou com a participação também do Vigário Paroquial de Matosinhos, Padre Geraldo Sérgio França e do Diácono Permanente Ademir Noel, aliás presente com muita dedicação à festa inteira, desde o primeiro dia da novena. A reflexão religiosa tematizada no "Espírito Santo na vida da Igreja", analisada a cada dia de novena sob a ótica dos seus sete dons, foi em verdade coroada no dia maior, tanto na missa festiva matutina quanto nesta, solene, por uma homilia muito bem pregada, que ressaltou a importância litúrgica da data, a bem da verdade, aniversário da Igreja. Em todo o mundo o Espírito Santo dá a luz e o vigor ao povo de Deus para não esmorecer em sua caminhada ao longo da vida.
|
Apagando o Círio Pascal. |
Ao fim da celebração houve a cerimônia para apagar o círio pascal e na sequência a coroação do novo Imperador. O sr. Dácio Sebastião de Carvalho, portando as insígnias e trajes de costume, fez a entrada pelo centro do santuário, tendo de um lado a esposa e do outro o filho, até o altar, onde subiu e saudou as autoridades eclesiásticas. Com a ajuda do Mestre de Cerimônias, sr. Otávio Félix Pereira da Silveira, também festeiro do Divino a muitos anos, e sob a tradicional e indispensável locução do insigne Professor Abgar Tirado, que narrava aos fiéis as etapas da coroação, o Sr. Dácio entregou a salva, a coroa, o cetro, a capa e a faixa, nesta ordem, e assim descoroado voltou-se ao fiéis saudando-os alegremente e sendo ovacionado. Deixou então a parte do altar e veio se postar junto ao espaço reservado aos imperadores de outros anos que acompanhavam a cerimônia, desta feita sem participar do cortejo abre-alas de entrada desta cerimônia, o que, aliás, não foi em geral do agrado de alguns. O Sr. Francisco José do Nascimento, eleito imperador para o ano de 2015, já postado junto à porta de entrada, trajado de terno completo como é de praxe ao cargo, ladeado pela esposa e seguido por familiares, fez sua entrada ao som de três jovens músicos solistas da Banda Sinfônica do Santuário, sob a batuta do sr. Ronaldo Medeiros, que tocaram a Marcha Triunfal de Aida (Verdi). O Imperador Eleito subiu ao altar com a esposa, que foi convidada a afixar o brasão dos imperadores no paletó do esposo. Recebeu sequencialmente a faixa e a capa. Ajoelhou-se num genuflexório e o bispo o coroou, sob as palmas da igreja lotada. Recebendo a salva e o cetro, se ergueu e voltou-se aos devotos, com estampada alegria no rosto e a prerrogativa do papel assumido que demanda muito trabalho e dedicação para a preservação do jubileu. Muita gente acorreu para cumprimentá-lo e fazer fotografias.
|
Cerimônia de coroação do novo imperador. |
No adro, após a missa, alguns congados fizeram apresentações. A procissão contou com uma grande massa de fiéis, sendo aberta pelos cavaleiros com estandarte e bandeiras. A Comissão do Divino em boa hora distribuiu velas aos devotos. A liteira ia na frente, o andor de Nossa Senhora da Lapa ao centro e o do Divino na retaguarda, os três iluminados e muito bem enfeitados por flores. Alguns congados acompanharam já que a maioria nessa hora já partira. Deles se destacou o de Passa Tempo que não parou de bater um minuto sequer desde a saída, com seu grande coro de vozes entoando vigorosamente os cantos de fundo religioso. Na chegada houve a bênção do Santíssimo Sacramento, conduzida pelo Pároco e Reitor do Santuário, Padre José Bittar.
|
Andor de Nossa Senhora da Lapa no momento da chegada da procissão. |
Os mastros foram descidos pelas vinte horas, pelo congado do bairro, com o Capitão e Imperador José Tadeu do Nascimento, e a presença conjunta do Capitão de Mastro, José Adnei da Luz e da também bem vinda ajuda do Capitão de Ritápolis, Geraldo Marcelino, que conduziram o ritual. Tiveram ajuda imediata como todo ano tem acontecido do Capitão Luthero Castorino, um dos fundadores e imperador. Muita gente assistiu à descida.
|
Descida do mastro de Santo Antônio. |
O show de encerramento iniciou imediatamente, cantando a dupla Márcio e Heleno para uma boa platéia. Na víspora e nas barraquinhas de comes e bebes havia grande movimento.
Mais um ano vencido, o 18º do resgate. A festa ganha maioridade em sua nova fase e isto exige muito de todos os membros da Comissão do Divino. Abnegação, maturidade, fé, disponibilidade e responsabilidade são indispensáveis a um festeiro de jubileu. Como ponto negativo somente há de se lamentar e muito à falta da Missa Inculturada, momento que rememora a saga do africano, a sua força, a sua luta. Em compensação não tivemos no seu dia a igreja lotada como antes... Muita gente reclamou a falta deste evento religioso e pôs esperanças no seu retorno para o próximo ano.
Os carismas, os dons, os frutos se manifestam de muitas formas. Inclusive nas expressões culturais. Por elas o povo manifesta ao seu modo e em sua linguagem a fé mais legítima. O folião e o congadeiro tem muita espiritualidade, à flor da pele em verdade. Seu canto é um louvor genuíno, espontâneo, sempre com muita alegria, respeito e musicalidade, porque quem gosta de tristeza não é de Deus. E quem duvidar que venha ver: a cada ano a alegria do dançante e da assistência nesta festa gigante do povo de Deus. É pela sua felicidade que o jubileu se processa e consolida. Uma alegria jubilar, carismática, contagiante. É fácil encontrar no meio dos fiéis gente emocionada com a atmosfera envolvente que o evento cria. É um jubileu singular e a mais importante festa com elementos da cultura popular na região.
É por causa desta verdade que não se acha palavras para expressar, apenas meios de sentir, que ouvi no meio da multidão alguém dizer: "toda festa da Igreja é boa, mas a do Divino, é especial!"
|
Imperadores de vários anos durante a Missa Solene. |
|
Imperadores de vários anos durante a Missa Solene. |
|
No salão, uma congadeira de Barroso saúda a bandeira do congado de Matosinhos, que chegou para o café da manhã. |
|
O congo de São Gonçalo do Amarante em marcha de rua. |
|
Congo de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno se apresenta no adro. |
|
Do Bairro São Dimas, o congado do Capitão Moacir, de São João del-Rei. |
|
O tradicional congado de Conceição da Barra de Minas. |
|
Congado de Cláudio adentra pelo santuário. |
|
Congo de Itutinga, com seus muitos reco-recos de bambu. |
|
Exuberância das fitas dos marujos de Conselheiro Lafaiete. |
|
Do município de Santa Rita do Ibitipoca, hábeis moçambiqueiros percutem bastões num ritmo muito bem marcado. |
|
Guarda da cidade de Ritápolis, com seus grandes tambores de guia. |
|
Sempre presente, o congado de Santa Cruz de Minas. |
Notas e Créditos
* Texto: Ulisses Passarelli.
** Fotos: Iago C.S. Passarelli, 24/05/2015.
*** Para saber mais, leia também:
PROCISSÃO DO IMPERADOR PERPÉTUO 2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário