O último post abordou as tradições acerca das almas penadas. Aproveitando seu clima, transcrevo um causo que recolhi em 05/01/1994, do saudoso Sr. José Camilo da Silva, natural da zona rural de Resende Costa (Fazenda do Palmital), mas radicado a muitos anos em São João del-Rei, no Bairro São Dimas. Era jongueiro, capitão de congado e folião. É a sua versão que se segue. Porém, coligi outra por assim dizer idêntica, de outro mestre da cultura popular, Sr. Júlio Prudente de Oliveira, dois anos depois. Era natural de Santa Rita do Ibitipoca mas morava a muito tempo em São João del-Rei, no Maquiné (*).
* * *
Um viajante andando por terras distantes pediu pousada numa fazenda. Indicaram-lhe que o único lugar disponível era uma velha casa com fama de mal assombrada. Como não tinha medo de nada foi para lá sem exitar.
Acomodou-se num canto e lá pelas tantas ouviu no casarão uma voz: "eu caio!" A voz vinha da parte de cima da casa. O homem respondeu: "cai!" E caiu um braço. Ele nem ligou.
Novamente ouviu a voz: "Eu caio!" e ele respondeu: "pois caia" e caiu outro braço. O viajante não se apavorou com aquilo.
Na terceira vez que a voz apareceu ele ficou nervoso: "cai logo tudo de uma vez e me dá sossego!" Então desabou do forro um monte ossos fazendo um barulho medonho. Os ossos foram se juntando e formaram um esqueleto.
O esqueleto andou em direção ao homem corajoso e conversou com ele, perguntando o que ele fazia ali, alegando que aquela casa era dele. O homem explicou que só queria descansar uma noite. O esqueleto impôs uma condição para o viajante permanecer ali: deveria ir até o quintal com ele e desenterrar um barrilzinho. O homem aceitou a condição.
Os dois foram andando emparelhados para o fundo da horta e junto às bananeiras o homem cavou no lugar que o esqueleto mostrou e ali encontrou um pipote cheio de ouro.
O esqueleto determinou que o homem doasse parte da quantia para as obras da ordem de Santo Antônio e com outra parte mandasse rezar tantas missas em nome de algumas almas, das quais a própria caveira era uma delas, aparecida nesse aspecto tenebroso. O que sobrasse do ouro podia ficar para ele.
Assim feito, o esqueleto e as outras almas que assombravam aquela velha fazenda puderam descansar em paz e não apareceram mais.
Detalhe de uma essa existente na Igreja do Carmo de São João del-Rei/MG. |
Notas e Créditos
* Além destas duas versões, Antônio Gaio Sobrinho também sugere a existência deste causo em Conceição da Barra de Minas, senão vejamos: "(...) na Fazenda da Fortaleza, onde ao desventurado viajante que nela passasse a noite, por certo, lhe aconteceria os piores sobressaltos, mistérios do além, que não lhe deixariam dormir. Sucediam-lhe, noite adentro, lancinantes gemidos que repetiam pavorosos gritos dizendo: "eu caio! eu caio!" E se o infeliz respondesse: "pode cair", despencavam do teto, a cada vez, pernas, cabeças, braços... um horror!" (etc.) (Memórias Sentimentais de Conceição da Barra de Minas. São João del-Rei: UFSJ, 2014. 230p.il. p.155).
** Texto e foto (01/06/2013): Ulisses Passarelli
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