José Camilo da Silva, 1993. |
José Camilo da Silva, um ícone da cultura popular são-joanense, entre dez.1993-jan.1994, passou-me algumas cantorias de mutirão de capina de lavoura (chamado jongo de roça), cantos de trabalho ritmando as batidas da enxada.
Morador da Rua Bárbara Eliodora, Bairro São Dimas, São João del-Rei/MG, o informante era capitão de congado, folião de Reis e São Sebastião, jongueiro. De grande vivência rural, foi carreiro e fabricante de adobe. Faleceu em 1994, aos noventa anos, embora os comentários populares indicassem idade mais avançada.
Seu jongo está recheado de palavras de línguas banto, em corruptelas que dão um sabor africanizado ao seu canto: ngana (senhor), mirissungo ou vissungo (canto de trabalho), tata (grande espírito), candimba (coelho silvestre), etc. A expressão “candimba vai embora” se refere ao fim do mato na plantação: não tem mais onde o bicho se esconder. As três cantigas e um recitativo a seguir, peças de jongo de roça, são originárias da localidade de Cubango, zona rural da vizinha Resende Costa, onde o informante participou de mutirões.
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Canto de capina:
Canto de capina:
(Mestre Jongueiro, tirador de cantos:)
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(coro, em resposta, em escala de 5 a 7
vozes:)
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Ô cumiêêê... cumiê, cumiê, cumiê!
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Ôh... ôôô...!
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Oi,
orô,
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Cano’
virô, qu’imbarca
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Mai’
ô-erêrêrê!
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Oi,
erêrêrê... norungandá,
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Enderêrê,
qui puê!
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Ô qui puê! Ô qui puê!
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Ôh... ôôô...!
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Candimba,
arruma, va’imbora,
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Candimba,
arruma, va’imbora,
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Candimba,
arruma, va’imbora!
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_Ô,
imband’auê-iê!
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Ôh... ôôô...!
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Ô...
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Ô,
tata mu’ é tipo,
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Tata
mundo tubiangueni
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Mirissungo
Mariaziha!
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Ô
Mariazinha, ai, eu não...
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Êh... êh! É tipo! Tata mundo
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_Ôh...
ôôô...!
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Tiangueno,
mirissungo, Mariazinha.
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Ô
Mariazinha... ai, eu não!
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Oi, imband’auê, divera!
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_Ôh...
ôôô...!
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Ei,
divera,
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Candimba,
va’imbora,
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Candimba,
va’imbora,
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Candimba,
vai e vai vortá.
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Ô cumiêêê... cumiê, cumiê, cumiê!
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_Ôh...
ôôô...!
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Oi,
orô! Cambarca mai’ôê carárauê!
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Ê...
nosugorá!
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Imbarca
Maria Catissá,
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Mirissungo,
êh!
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_Ô...
ô...
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_Ôh...
ôôô...!
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Inband’auê,
divera.
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Oiôrôrô,
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Ô
diboroquê,
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Dibambarêrê,
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Imbarca
Maria Catissá,
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Mirissungo,
êh!
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Recitativo (no intervalo entre os cantos)
(Mestre Jongueiro, tirador de cantos:)
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(Jongueiro desafiante:)
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Chega a barca, barqueiro,
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Êh...
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Quero
m’embarcar;
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Saravá,
dono de roça,
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Passar
pro lado de lá,
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Sarava,
dono de roça...
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Subi
no arto de montanha!
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Subi
no arto de montanha...
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Saravá,
quem é?
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Término de Mutirão:
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Ôh, candimba!
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Chorei...
mamãe!
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Arruma
a mala,
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Chorei...
papai!
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Va’imbora,
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Candimba,
vai!
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Ô
candimba!
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Candimba,
vai!
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Entrega da bandeira (uma planta de milho ou cana, arrancada na plantação) ao patrão ou patroa
(donos do terreno de lavoura), batendo ritmadamente uma pedra na lâmina da enxada trazida ao ombro, para efeito idiofônico, ou dançando e percutindo uma enxada na outra:
Ô,
patroa!
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Êh... ingan’auê, iê,
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Toma
sua bandeira, ô patroa!
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Ôôô...
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Toma
sua bandeira, ô patroa!
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Ô, carangomá, como é?
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Toma
sua bandeira, ô patroa!
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Ôôô...
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Ô,
patrão!
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Êh... vem de arto de montanha,
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Toma
sua bandeira, ô patrão!
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Ôôô...
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Toma
sua bandeira, ô patrão!
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Vem trazê requerimento pra patroa!
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Toma
sua bandeira, ô patrão!
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Ôôô...
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* Foto, texto e pesquisa: Ulisses Passarelli
** Para saber mais a respeito leia também: