Coletânea de romances
Ulisses Passarelli
Tradições Populares das Vertentes tem a satisfação de apresentar uma postagem de especial relevância por conter uma coletânea de romances, ainda que em parte fragmentados pela perda parcial da memória popular, mesmo assim, importantes para o estudo da literatura popular brasileira.
Para evitar que esta postagem se tornasse extensa, ela foi dividida. Na parte 2 postaremos explicações sobre os romances em geral e comentários sobre os exemplares abaixo transcritos. Além disso, definição, tipologia e contextualização, para que o caro leitor possa se situar melhor sobre o valor e significado desse interessante gênero de composição poético-musical da cultura popular. Aguardem!
ROMANCES TÍPICOS
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Antoninho, vai pra escola,
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Antoninho
foi pra escola,
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Que
precisa aprender!
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Foi
chorando e soluçando
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Ô mamãe, não vou pra escola
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chegou
na porta da escola
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Que
eu sei que vou morrer!
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Ele
ainda estava soluçando
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_ Abri portas e
janelas,
Quero ver meu
Antoninho!
Antoninho estava
morto,
Morto como um
passarinho...
(Inf.: Aloísio dos Santos, jan.1995, São
João del-Rei)
2) Romance do Dentinho de Ouro:
Num sabe o que aconteceu,
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No dedo dele tinha
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Lá na zona do sertão:
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Ai, um anel tão grande!
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Mataram Dentin' de Ôro,
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Tinha um anel de ouro
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Era o rei dos valentão ...
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Com duas pintas de sangue...
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(Inf.: Elvira Andrade de Salles, dez.1994,
Santa Cruz de Minas)
3) Romance do Rio Preto
Rio Preto era um negro,
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A moça
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Cativo da insurreição,
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Ele haverá de levar
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Quando acabou alforria,
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Com espaço de quinze dias,
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Estudou pra valentão...
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Ele tornava entregar:
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Na cintura um bacamarte,
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_ ô meu sogro! Ô meu sogro!
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Na garupa um bom facão!
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Tá aqui a sua filha ...
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Rio Preto ia nas missas
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Quem tratou quinze anos
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Só pra ver moça casar;
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Pode tratar mais quinze dias...
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Ou a moça ou a madrinha
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_ Se eu não matar Rio Preto
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Ele havera de levar ...
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Não procuro mais família!
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(Inf.:Elvira Andrade de Salles, dez.1994,
Santa Cruz de Minas)
4) Romance de Zezinho e Mariquinha
Zezinho e Mariquinha,
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As tranças de seu cabelo
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Doze anos se amava,
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Na picada foi achando,
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Mas o velho pai da moça
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Na loca de uma pedra
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Com isso não conformava.
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A tigre tava lhe esperando.
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Pras carta que ele escrevia,
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Zezinho pegou seu revólver,
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Com tristeza ela clamava,
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Nessa hora ele falhou,
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Eu acho bom nós dois fugir
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Pegou o seu punhal,
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Que outro jeito não se achava.
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Com a fera ele lutou.
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Trataram de se encontrar,
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Mandei falar um recado,
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Na Mata do Trombador,
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Pra avisar os caçador;
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Maria saiu de casa
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Mandei falar com meus pais
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A má sorte acompanhou...
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Na minha terra eu mais não vou.
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Lá volta de um caminho,
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Maria morreu por mim,
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Onde a onça lhe pegou,
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Por ela eu devo vingar,
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Zezinho conheceu o xale
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Nesse mundo nós não casou,
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Na picada ele entrou.
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No céu nós vai morar...
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(Inf.:Elvira Andrade de Salles, jan..1995,
Santa Cruz de Minas)
5) Romance de Santo Antônio
Meu beato Santo Antônio,
Vós foste nascido em Roma,
Criado em Luz Boa. (Lisboa)
Pelo ato (hábito) que vististe,
Missa nova que dissesse,
Os cordão que vós vistisse,
Ondas do mar que vós cortaste
Pra livrar seu pai Martim
Que lá ia predestinado
Às forca de Luz Boa.
Santo Antônio fez milagre
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Ele então pediu:
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Quando estava rezando:
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Não deixeis enforcar!
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Foi levado por dois anjos
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Ele chamou a todos
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Pela ondas do mar...
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Foi na cova de quem morreu.
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_ Você corra, Antônio, você corra!
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Ele pediu o defunto
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Você corra continuamente!
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Que se alevantasse
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Vai socorrer seu pai
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Que contasse a verdade
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Que vai morrer inocente...
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Quem foi que lhe matou.
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Quando ele chegou,
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_ Levanta-te, corpo morto!
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Levantou uma bandeira,
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Me conta quem te matou...
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O homem estava na forca
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Se foi aquele senhor
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Ele era o seu pai.
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Que lá na forca se achou.
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Ele levantou da cova,
Justamente lhe falou:
_ Esse homem não me matou,
Nem por mim nunca pecou!
Na hora da minha morte,
Foi ele que me ajudou...
(Inf.: Elvira Andrade de Salles,
jan..1995, Santa Cruz de Minas)
6) Romance do Boi Lolô:
Eu tinha uma vaca
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Vou matar esse boi
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Com o nome de Fortaleza
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Por uma grande necessidade;
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Mandei lá pro palácio
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A carne desse meu boi
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O leite da vaca nobreza.
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Sustenta sete cidade.
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A vaca fez um papel
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A cabeça desse meu boi,
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Que o paulista admirou:
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Vou dar pra uma velha comer;
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De noite teve um bezerro,
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Sete ano e sete mês
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De manhã ela enjeitou.
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A velha tem o que roer.
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O leite de sessenta vacas
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Do chifre do meu boi,
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Esse bezerro mamou,
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Eu mandei fazer buzina,
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Com espaço de doze horas
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Pra instumar meu cachorro
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O bezerro desesperou.
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Lá no campo da campina.
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Lá no campo da campina
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Dos olhos desse meu boi,
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Onde o meu boi deitou,
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Vou mandar fazer vidraça,
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Sete anos, sete mês,
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Pra espiar as moreninha
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O capim lá não brotou.
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Na janela quando passa.
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Lá no campo da campina,
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Dos dente desse meu boi,
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Onde o meu boi urinou,
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Vou mandar fazer um pente,
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Lá formou uma lagoa,
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Pra pentear o cabelo
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Que nunca mais secou.
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Do major e presidente.
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Eu chamei um carapina,
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Do couro desse meu boi
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Por nome de serrador,
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Eu vou mandar fazer canoa,
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Que é pra fazer um curral
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Pra passar as moreninha
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Pra prender meu Boi Lolô.
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De França para Lisboa.
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No ponto do meio-dia,
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O rabo desse meu boi,
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O carapina chegou;
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Mandei fazer espanador,
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Ferramenta não estava pronta
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Pra abanar os mosquitos
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Ele foi na tenda e amolou.
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Na quinta do meu avô.
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Sete esteio de braúna
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A barrigada desse meu boi,
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Esse carapina fincou;
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Eu fiz uma panelada,
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Sete corrente de aço,
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Que o povo todo comeu
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Esse carapina amarrou.
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Sobrou pra rapaziada.
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Eu botei meu boi pra dentro
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Os ossos desse meu boi,
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Com quarenta tocador
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Mandei dar pros camarada
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Meu boi lançou um berro
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Joguei pra rua afora
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Que todos quarenta voltou.
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Ainda sobrou pra cachorrada.
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Vinha descendo a rua,
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As pata desse meu boi
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Sinhá-moça me chamou:
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Eu mandei fazer botina,
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_ Esse boi se é de venda,
|
... ?
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Um conto de réis eu dou.
|
... ?
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_ Não é de venda, não senhora,
|
O estrume desse meu boi,
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Fico muito obrigado (agradecido)
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Mandei juntar num balaio
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Senhora pode ficar sabendo,
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Pra levar pra horta,
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Mais que isso tenho enjeitado.
|
... ?
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(Inf.: Dona Josefina, fev.1996,
Barbacena)
7- Romance da Bela Infanta:
_ Moço para a nossa filha,
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_ Mas tu lá vê, atende,
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Nesse reino aqui não há;
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Atenda isso primeiro:
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Tem o Conde Alemanha,
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Deixa dar mamá meu filho,
|
Mas casado já está.
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Esse leite derradeiro!
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_ Ai, minha filha,
|
Mama, meu filhinho, mama!
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Esse gosto eu vou te dar,
|
Essas gotas derradeira;
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A criança você cria,
|
Tu arranja outra mãe,
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A condessa eu mando matar.
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Mas não é como a primeira!
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Mandarei chamar o conde,
|
Mamais, meu filhinho, mamais,
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Por uma criada que tinha;
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Mamais de bom coração,
|
Vosso rei mandou chamar
|
Que amanhã por essas horas
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Por mandado da rainha.
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Sua mãe está debaixo do chão...
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O conde mandei chamar,
|
Respondeu filhinho do peito,
|
Com toda delicadeza,
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Que nem falar não sabia:
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Para matar a condessa
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_ morreu a filha do rei,
|
Casar minha filha princesa.
|
Que a morte merecia!
|
Vê tu lá se o rei concorda
|
Ela se desesperou,
|
Isso não pode ser,
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Escorregou, caiu no chão,
|
A condessa ainda está nova
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E perdeu a sua vida
|
Pra morte merecer.
|
Por causa de um coração.
|
Lá em vem o conde triste
|
Sino da matriz bateu,
|
Meu deus, o quê que seria?
|
Quem seria que morreu?
|
Ai, senhor rei,
|
Infância (Infanta) Dona Maria,
|
Quê que aconteceria?
|
Filha do senhor rei.
|
Conde não fala nada,
|
Sino da matriz bateu,
|
Que com rei não se porfia!
|
Meu Deus, o que seria?
|
Eu quero a cabeça dela
|
Descasar um bem casado
|
Nessa formosa bacia ...
|
Coisa que Deus não queria.
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_ O vosso rei mandou chamar,
|
O sino da sé bateu
|
Pra casar com vossa filha,
|
Carregado de paixão!
|
Mandou qu’eu levasse sua cabeça
|
Se não matou a condessa
|
Nessa malvada bacia...
|
Não precisa matar mais não.
|
Inf.: José Cândido de Salles, jul.1995,
Santa Cruz de Minas.
Obs.: sua
esposa, Elvira Andrade de Salles, que conhecia igualmente o romance, cantou-me
uma variante da primeira quadra:
_ Aqui neste lugar,
Não tem moço, minha filha;
_ Tem o Conde Alemanha,
É casado, tem família.
ROMANCES DE RELAÇÃO
1) A Pena:
O tenente que era um homem de manobra,
Pegou na pena e escreveu para cobra;
E a cobra por ser uma serpente,
Pegou na pena escreveu pro tenente;
E o tenente que era um homem de valor,
Pegou na pena e escreveu pro diabo;
O diabo que é um homem de má mente,
Pegou na pena escreveu para o tenente (etc...)
(segue com
inúmeros personagens: o tenente para o serrador, o serrador para o cabo, o cabo
com o delegado, etc.)
(Inf.: Elvira Andrade de Salles, 1994, Santa Cruz de
Minas/MG)
2- Vida Breve:
A uma hora eu nasci,
Às duas, eu batizei;
Às três, estava em namoro,
Às quatro, eu me casei;
Às cinco, eu tive doente,
Às seis, para morrer;
Às sete, em cima da mesa,
Às oito, dentro do caixão;
Às onze, estava no céu,
O céu se cobriu de luto,
A terra infloresceu!
Será que mamãe não sabe
Que seu filhinho morreu? ...
(Inf.:
Elvira Andrade de Salles, 1997, Santa Cruz de Minas/MG)
3- O Namoro:
Estando a moça em seu lugar,
Em vem a mosca lhe atentar!
A mosca na moça,
A moça na mosca
E eu não posso namorar...
Estando a moça em seu lugar,
Em vem a aranha lhe atentar!
Aranha na mosca,
A mosca na moça,
A moça na mosca
E eu não posso namorar...
(Etc. Continuando crescendo a cada
estrofe com o acréscimo de: a barata, o rato, o gato, o cão, o homem, o diabo.
Inf.: Aloísio dos Santos, ag.1996, São João del-Rei)
4- Tango-lo-mango:
Casei com uma
velha,
Pra livrar da
filharada...
Trouxe a danada
da velha,
Trouxe dez de
uma manada!
Desses dez que
trouxeram,
Desejei comer a
noz,
Deu no pango,
deu no mango,
_ Amor ingrato!
De dez ficaram
nove...
Desses nove que ficaram,
Desejei comer
biscoito,
Deu no pango,
deu no mango,
_ Amor ingrato!
De nove ficaram
oito...
(Etc. Continua
decrescendo pelo mesmo processo: tomar confete - ficaram sete; comer queijo -
ficaram seis; comer um pinto – ficaram cinco; comer um pato – ficaram quatro;
comer um peixe – ficaram três; comer arroz – ficaram dois; comer tutu – ficaram
um.) Então finaliza:
Desse um que ficou
Desejei comer feijão,
Deu no pango, deu no mango,
_ Amor ingrato!
Acabamos com a geração!
((Inf.:
Elvira Andrade de Salles, dez.1994, Santa Cruz de Minas/MG)
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