Gaspar
Diz que aconteceu aqui pras bandas de
São João dos Queijos mesmo, beira-rio.
Numa Semana Santa de muito tempo
atrás, saíram uns pescadores rumo ao Rio das Mortes, beirando a linha do
trenzinho do sertão, entremeio a Igreja do Taquaral (Sagrado Coração de Jesus) e
o Pombal, no rumo da Colônia do José Teodoro. Imediações de um pesqueiro conhecido, perto de umas moitas de bambu.
Bem que foram alertados sobre a
necessidade de recolhimento do período e no fundo sabiam, mas pensaram de não
ser nada e não faltou a garrafa de pinga e boa alegria numa farra incontida.
A noite chegou e armaram acampamento
no barranco do rio. O fogo foi aceso para assar uma carne. Tempo bom, firme.
Foi quando numa moita próxima começou
algo a remexer e piar, tal como um pinto. Calaram-se e estranharam pois não
estavam perto de casa nenhuma e decerto não haveria naquele ermo qualquer galinha com
ninhada, quem dirá à noite. Persistiu o piado. Devagar se tornou mais nítido
até que um pintinho novo saiu do mato, muito molhado, como se tivesse caído
temporal e foi chegando ao fogo para aquecer. Os pescadores estavam
cismadíssimos, em silêncio sepulcral. A ave sacudiu as penas para secar, piando
sem parar, desaninhado como estava. Esticou uma perninha, depois outra... Um
grito forte rompeu então o silêncio do mato, vindo ninguém sabe de onde nem de
quem: “ôh, Gaspar!”, e o pintinho respondeu com vozeirão humano: “oi!!!”.
Os
pescadores desesperados correram em debandada e nunca mais desrespeitaram a
Semana Santa.
1- Rio das Mortes em São João del-Rei, na região descrita na narrativa do Gaspar. 09/07/2013.
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2- O mesmo local em época chuvosa. 28/12/2015. |
Notas e Créditos
* Texto: Ulisses Passarelli
** Fotografias: 1 e 2 - Iago C.S. Passarelli; 3- Ulisses Passarelli
*** Informante: Aluísio dos Santos, São João del-Rei, 1996.
**** Obs.: "São João dos Queijos" - alcunha dada à cidade de São João del-Rei, dada a quantidade e qualidade de sua produção de laticínio.
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