Outros trabalhos

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Ceres... Que estátua é esta?

Chafariz de Matosinhos: incógnitas...


No centro da Praça de Matosinhos um belo monumento metálico oitocentista, jaz esquecido de maiores cuidados. É um chafariz que a muito tempo não jorra água, encimado por uma misteriosa estátua que recentemente tem suscitado discussões variadas, instigando os pesquisadores a reescrever sua história, calcada em novas pesquisas e reflexões.




Tradicionalmente é chamada “Deusa Ceres” em São João del-Rei/MG. Ora, em Valença/BA, há uma estátua-chafariz absolutamente idêntica, fundida na mesma fôrma, igualmente chamada Deusa Ceres.

Na mitologia romana, Ceres era a Deusa da Agricultura, filha de Saturno e Cibele. Simbolizava o amor maternal e dava força ao crescimento das plantas. Teve com seu irmão Júpiter, uma filha chamada Prosérpina, que esposando Plutão, foi parar no inferno. Uma das versões diz que no desespero, Ceres clamou a Júpiter pelo retorno da filha, mas sendo impossível só lhe foi concedido estar com ela durante uma quadra do ano, justo no inverno, quando então, Ceres recolhia seus poderes e os campos de cultivo descansavam, sem plantio e sem colheita.



         Alguns elementos históricos dessa estátua em São João del-Rei estão a merecer maior esclarecimento:

- qual a sua data exata: 1887 como se tem dito? Onde está a comprovação?
- foi mesmo a Câmara Municipal que a encomendou? Onde está o documento? Qual seu valor financeiro? Como chegou aqui?
- quais os detalhes de sua saída de Matosinhos e depois seu retorno?
- ela é mesmo representativa da deusa romana?

         Não faz muito, Antônio Gaio Sobrinho em artigo contrariou a origem direta de Turim, Itália, ao trazer a público a existência de uma pequena inscrição “Val d’Osne”, referente à famosa fundição francesa.


Meu trabalho de pesquisas sobre Matosinhos já estava pronto quando as discussões começaram e chegaram até mim colaborações de pesquisas de Flávio Frigo e Francisco José de Rezende Frazão, que muito contribuíram para as novas reflexões e considerações sobre este monumento. As novidades puxaram novas consultas à internet, ora apenas pinceladas, mas obrigando em futuro próximo a reescrever toda a história deste monumento. Fica consignada minha gratidão à confiança destes estudiosos de nossa história.


         A arte da estátua francesa neoclássica, existente no Bairro Matosinhos é devida a Mathurin Moreau (Dijon, 1822 - Paris, 1912), um artista pleno, de traços acadêmicos, com muitas obras espalhadas no novo e velho mundo. A estátua tem a inscrição da fundição Val d'Osne, onde trabalhava o artista supracitado, na região metalúrgica do Alto Rio Marne, em Champagne-Ardenne, que no período oitocentista celebrizou-se na fabricação de peças primorosas: Sociètè anonyme des hauts-fourneaux et fonderies du Val d'Osne.



         Elementos decorativos evocam o ambiente natural dos faunos de cuja bocarra escancarada jorrava água: folhas paludícolas, juncos e uma cobra devorando rã, possível símbolo agrário da renovação da vida. Ainda mais, um elemento chama a atenção: uma flor, compatível com uma magnólia, símbolo da femininidade, inspiração de delicadeza e beleza.


         Mesmo em São João del-Rei uma outra peça da mesma fundição pode ser vista: seca, sem jorrar água, um chafariz-lampião com quatro carrancas de fauno, idênticas às de Matosinhos, enfeitam o centro do Largo do Carmo, em pleno centro histórico.



         Frazão me alertara que outras peças históricas existem em São João del-Rei com semelhança estilística aos monumentos da Val d’Osne na cidade, quais sejam, os dois lampiões que hoje ladeiam o jardim anexo à Prefeitura Municipal, na Avenida Hermillo Alves.



         Segundo seu comunicado pessoal foram para aí trazidos na gestão do prefeito Milton Viegas, do Largo da Câmara e da Estalagem (Praça Nossa Senhora de Fátima, Bairro Tijuco), este já em precário estado de conservação, demandando enchimentos em madeira para recomposição.

         O mesmo informante e estudioso supra, em sinal de amigável confiança, afirmou-me, baseado em fotografia de época, que a estátua “de Ceres” ou que outro nome tenha, esteve antes de 1915 no Largo do Rosário, bem onde, até hoje se encontra o busto do exímio compositor musicista Padre José Maria Xavier, aliás o primeiro da cidade, instalado justo nesse ano.


         É sabido que a estátua de Matosinhos esteve também por certo período fora do bairro, transferida para o Morro da Forca (Bairro Bonfim). Mas não localizei a data de seu translado.

         Peças literalmente idênticas à de Matosinhos estão no Rio de Janeiro (Passeio Público, entre a Lapa e a Cinelândia) e em algumas cidades espanholas, italianas e francesas, às vezes com quatro bacias de água.



         Em alguns lugares fixou-se com o nome de Ceres (a exemplo de Valença/BA)[1], noutros, como uma alegoria do verão, fazendo conjunto com outras estátuas representando as demais estações[2]. A estátua pode ser também interpretada como figurativa de um jovem, ou seja, com características masculinas[3]. Na Espanha, de iconografia idêntica à nossa é chamada “Segadora”[4] em Montoro e Vegadeo, além de Avilés (Astúrias), ressaltando o caráter feminino da estátua. Este nome é uma referência ao seu arco de ceifar trigo (segadeira).

         A elucidação concreta passará necessariamente pelo catálogo de peças da fundição. Afinal, mesclando características femininas e masculinas, segundo o ponto de vista, a estátua representa o quê de fato: a Deusa Ceres, o verão, uma segadora ou um jovem trabalhador rural, um rapaz camponês? As peças feitas nesta fôrma eram vendidas com que nome pela Val d’Osne? Aguardando as respostas a estas incógnitas, as pesquisas devem prosseguir.

Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli
** Fotografias e montagens fotográficas: Iago C.S. Passarelli, 2012 e 2013.
*** Outras fontes sugeridas à consulta na web:



[3]GAIO SORBRINHO, Antônio. Seria mesmo a deusa Ceres? O Grande Matosinhos, n.98, maio/2012.

4 comentários:

  1. Na Praia Vermelha, aos pés do Pão de Açúcar, existe uma estatua de mármore de CERES representando o Inverno. Além dela, também POMES, representando o Outono; FLORA, o Verão; e mais uma a Primavera, mas com identificação ilegível.

    Humberto

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Humberto,eu moro na Praia Vermelha e se você olhar bem de perto,o nome da deusa é Flora. :)

      Excluir
  2. Humberto, obrigado pela visita e pela observação. Convido-o a ler também duas outras postagens deste blog sobre esta estátua: VIGIA SILENCIOSA e MONUMENTOS.

    ResponderExcluir
  3. Prezado Sr. Gerente do Grupo de Desenvolvimento Estratégico do Comércio da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo do Município de São João del-Rei, Ulisses Antoniello Passarelli,
    Segundo o catálogo da Societé Anonyme de Fonderies d'art du Val d'Osne, que pode ser acessado neste endereço virtual: https://e-monumen.net/patrimoine-monumental/vo2_pl571-statues/, esta estátua representa, definitivamente, o Verão. No referido documento, ela é catalogada como L'Eté (O Verão).
    Nada impede que se faça analogia a Deméter/Ceres (grego/romano), considerando que Ceres representa a colheita do trigo, matéria prima das mais importantes para a maior representação do alimento, o trigo. Trigo que representa a fartura no solstício de verão. Que nunca falte em sua mesa.

    ResponderExcluir