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quarta-feira, 3 de abril de 2013

Rasoura dos Passos

É COM MUITA SATISFAÇÃO QUE COMUNICO O RETORNO DAS POSTAGENS DESTE BLOG, INFELIZMENTE, SUSPENSAS DESDE JANEIRO DESTE ANO, EM DECORRÊNCIA DE PROBLEMAS TÉCNICOS NO COMPUTADOR. POR ISTO PEÇO DESCULPAS AOS CAROS LEITORES E LHES AGRADEÇO PELAS VISITAS, QUE, A DESPEITO DA FALTA DE NOVAS  POSTAGENS NESTE PERÍODO, AINDA ASSIM, SE MANTIVERAM EM BOM NÍVEL. CONTINUAREI NA MESMA LINHA DE PRODUÇÃO ATÉ A HORA QUE DEUS QUISER. AMÉM! 

PARA INICIAR ESTA SEGUNDA FASE, INCLUI O TEXTO "RASOURA DOS PASSOS", EM MEMÓRIA DAS COMEMORAÇÕES QUARESMAIS DE SÃO JOÃO DEL-REI, RECÉM PASSADAS. AS FOTOS SÃO RECENTES MAS O TEXTO EM SI NÃO. O RITUAL PORÉM PROSSEGUE, ANO A ANO. A PAR DESTE POST,  SUGIRO QUE LEIAM TAMBÉM  O "RASOURA DAS DORES", POSTADO EM JULHO DE 2012, POIS AMBAS AS RASOURAS ACONTECEM NO MESMO DIA, EM IGREJAS DIFERENTES. SEGUE IGUALMENTE INCREMENTADO POR FOTOS DESTE ANO. ESPERO QUE AGRADEM. 

BEM VINDOS DE NOVO. VISITE, DIVULGUE E VOLTE SEMPRE A ESTA PÁGINA. 



Imagem do Senhor Bom Jesus dos Passos em seu andor aguardando o momento da rasoura, na Igreja de São Francisco de Assis e a Rasoura das Dores contorna o Largo do Carmo,
em São João del-Rei/MG

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RASOURA DOS PASSOS

 Ulisses Passarelli

               Dentro da monumental Igreja de São Francisco de Assis, em São João del-Rei, exala-se um odor diferente, que muitos consideram sagrado. É o rosmaninho, aquela planta colhida nos pastos úmidos e de terra boa, que se cobre de roxas flores na quaresma. Desfolhado no tabuado bicolor do assoalho, confere um ar pitoresco ao templo. Retribui o pisoteio dos fiéis soltando o seu aroma. Aliás, diz o povo: “quem passá pelo rosmanin’ e não chêrá, para o céu não irá”.
                O santo de Assis e todos os outros, estão encobertos de cortinas roxas, marcadas na frente por uma cruz amarela, agalonada. Todas as atenções se voltam para o Senhor dos Passos, visível em seu grande andor, lá no presbitério. Tem dois círios acesos na dianteira. Hortências lhe adornam a feição pesada. Enfim, carrega naquela imensa cruz preta, todos os pecados da vil humanidade.
                Os fiéis, arrependidos e com todo o respeito, ajoelham-se ante a grande imagem, da qual sai longa fita roxa, que repousa sobre um genuflexório e termina num escapulário, onde estão bordados estigmas da Paixão. Ali, uns após os outros, depositam o ósculo devoto. É possível ver que com discrição, muitos dão uma ou três voltas em redor do andor, e ao passar pela cruz, cuja base está suspensa por um gancho de ferro – o sirineu – (lembrando o Simão bíblico, que ajudou a segurá-la), em vez de rodeá-la por detrás, beijam-lhe e passam por debaixo, o que simbolicamente é uma limpeza dos males. Este ato em si mesmo configura-se em si mesmo como folclórico, típico da espontaneidade da cultura popular. Ao mesmo tempo Cristo está também carregando a nossa cruz, um pesado fardo pecaminoso.
                A igreja está repleta. Os bancos são tomados. De fora, muitos estão no formoso adro, conversando enquanto aguardam. De dois janelões frontais pende longa flâmula roxa com quatro letras douradas: S P Q R,  iniciais da arrogante expressão latina “Senatus Populus Que Romanus” (senado e povo romano), símbolo do poder de mão de ferro, emblema da ignóbil condenação. Mas ao povo isso pouco importa e preferem dizer que são iniciais de “sal, pão, queijo e rapadura”, ou ainda com mais gaiatice, “São Pedro quer rapadura”.
                Chega a banda militar, afinadíssima. Dá gosto ver o esmero do uniforme, os coturnos pretinhos de graxa, a disciplina.
                Lá dentro, o coral tudo de preto, como num luto à antiga, se posiciona atrás do andor e entoa o comovente “Miserere”, de Manoel Dias de Oliveira. Segundo a sua misericórdia, o Senhor dos Passos nos olha. Seu olho é de vidro, mas parece vivo, carregado de Paixão e acho que também de dó de nós, que não sabemos o que fazemos. Perdoai-os, Pai!
                A irmandade toda na dianteira. Opas e chamas bruxuleantes deixam em passos lentos o templo. Varas de prata emblemáticas reluzem. Sua excelência reverendíssima vem também, cingido de mitra e munido de báculo. Os sineiros se esforçam no movimento insistente do pesado sino. Seu badalo está enfeitado de um penacho de fitas roxas, que varrem o beiral de pedra da torre a cada giro. Para quem sente, ele não ecoa no bronze, mas no coração. O sol de março dá um brilho incomum às orquídeas em buquê, na mão do Mestre. Tais catléias, algumas pessoas cultivam em especial para essa ocasião.
                O povo acompanha. A banda também, com sua melodia fúnebre. O Senhor balanceia, ferido, cheio de escárnio, com a imensa cruz no ombro. “Abre a porta gente, lá en’vem Jesus! Ele en’vem cansado com o peso da cruz... Vem de porta em porta, vem de rua em rua, vem salvar as almas, sem culpa nenhuma...”, dizem uns versos do cancioneiro popular, que nessa hora me correram à lembrança.
                Ah! Lembrei. Tem também o insigne Padre Pedro Teixeira, o mais barroco dos nossos sacerdotes, com sua capa de asperges sob o pálio, trazendo à mão o Santo Lenho. A sua passagem o povo se persigna.
                A pequenina procissão retorna para a celebração da Santa Missa. Pequena no tamanho, mas não na solenidade. A orquestra se posiciona, gemem os violinos. Comungamos e o Senhor nos conforta...
  
                                                                                                               (Quaresma de 2006)

Imagem do Senhor dos Passos e de fiéis passando por baixo de sua cruz. 

Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli, quaresma de 2006
** Fotografia e foto-montagem: Iago C.S. Passarelli, março/2013

2 comentários:

  1. Ulisses,

    Este "retorno" era há muito esperado. Seus posts nos levam a conhecer (mais e melhor) nossas raízes e até a, pela imaginação, vivenciar a riqueza da cultura que expressa a alma de nosso povo - simples, porém muito sábio.

    Grande abraço.

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    1. Obrigado, Emílio. A lealdade de nossos visitantes nos encoraja a prosseguir. Atenciosamente, Ulisses.

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