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O ABC é um gênero literário raro na literatura popular atual. Cada estrofe se inicia, por ordem, por uma letra do alfabeto, de modo a fazer narrativa e registrar uma ação, esclareceu Luís da Câmara Cascudo [2]. Indicam a antiguidade deste ABC do Bom Jesus de Matosinhos a composição em quadras (os mais recentes são em sextilhas); a presença das letras “K” e “Y”, excluídas do nosso alfabeto – seu uso atual é restrito e foi regulamentado pela reforma ortográfica de 1943; a presença do “til” (~), após o “Z”, que nos abecês tradicicionais é considerado “a letra do fim” ou “a última letra”, embora seja acento e não letra. A grafia também atesta sua idade. Notar ausência da letra “ W ”. Este exemplar é especialmente importante por invocar uma devoção rara no país e no mundo (Brasil, Portugal, Espanha, Itália e Síria), também chamado Bom Jesus de Bouças, nome de um convento português, perto da cidade de Matosinhos (local em que foi encontrada a imagem na beira-mar), donde se irradiou a devoção para os demais locais. Notar que a quadra correspondente à letra “V” evoca o encontro da imagem na praia (dita do Espinheiro). Embora a invocação “de Matosinhos” não esteja expressada nos versos, está clara e nítida no título que encabeça o abecê. É orago do santuário do bairro de Matosinhos, em São João del-Rei. Inicia-se com a seguinte quadra, à guisa de apresentação: “AB e C quero escrever Em louvor ao Bom Jesus; Bom Jesus allumiae-me Com vossa divina luz.” A estrofe da letra “Q” também se destaca por exprimir a devoção ao Rosário com intensidade e curiosamente conjugada ao Bom Jesus de Matosinhos. Vale ainda a atenção para as letras “O” e “P” que se referem aos ex-votos, oferendas comprobatórias de uma graça alcançada, num ato de gratidão, expostas na “Sala dos Milagres”, anexa à igreja. Neste caso cita um menino que caiu num tacho com fervura e se salvou. Este documento encontra-se impresso numa meia folha, disposto em duas colunas, tendo as letras iniciais capituladas e em negrito. A outra metade da folha está ocupada pela Oração à Estrela do Céu. Nele vem tipograficamente escrito que houve aprovação do Bispo Antônio (D. Antônio Ferreira Viçoso, 7º bispo de Mariana), a 6 de julho de 1869, que concedeu licença para a impressão. [3] Está claro na forma de composição dos versos que se trata de trabalho semi-erudito, que contudo se popularizou. Foi conservado até os dias atuais entre antigos moradores do Bairro de Matosinhos, da cidade de São João del-Rei, onde existe o santuário desta invocação. Uma destas cópias veio à lume pelo artista em madeiras e confrade da Festa do Divino, Nelson Domingos de Abreu, que o conservava, herdado de duas falecidas senhoras octagenárias do citado bairro. Créditos -Texto e fotografia: Ulisses Passarelli. Notas - Revisão: 07/08/2025. [1] - Publicação original, parcialmente adaptada para esta postagem: PASSARELLI, Ulisses. Dez antigas notícias do folclore de São João del-Rei. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, v.11, 2005, p. 89-112. | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
ABC do Senhor Bom Jesus de Matosinhos
No ano de 1869 veiculou no Bairro Matosinhos, São João del-Rei/MG, um impresso contendo uma prece muito antiga, intitulada “Oração à Estrela do Céu”, dedicada à Virgem Maria e uma composição versificada, o “ABC do Senhor Bom Jesus de Matosinhos”, poesia da literatura popular muito tradicional [1].

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