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terça-feira, 31 de julho de 2012

Zé Pereira: imagem alegórica do carnaval de outrora

Um antigo refrão carnavalesco, assaz conhecido, atesta a inocuidade desta manifestação folclórica: “viva o zé pereira, que a ninguém faz mal ...” Como de fato a afirmação é legítima. As mudanças sociais é que fizeram mal ao zé pereira. A dinamicidade tremenda do carnaval o consumiu.

Este bloco carnavalesco é um folguedo alegre, barulhento, de irresistível ritmo firmado na percussão de frenéticos tambores - dentre bumbos, zabumbas, surdos, caixas e treme-terras, ou vem animado por uma charanga. Nele se misturam mascarados tradicionais, gente fantasiada de bichos e de bonecos gigantes.    

           De origem portuguesa, atesta o pesquisador Luís da Câmara Cascudo ser o “zé p’reira” natural do norte e das Beiras, aparecendo também nas festas dos oragos locais e nas romarias. Foi introduzido no Brasil primeiramente no Rio de Janeiro oitocentista.

       A novidade fixou-se e rapidamente se espalhou atingindo outros Estados e ganhando cores locais.

Com toques estilizados, adentrou nas grandes sociedades carnavalescas, de rua e de salão.Vila Velha (ES), Pelotas (RS), Goiás (GO), São Bento do Sapucaí (SP), Parati e Vassouras (RJ), Ouro Preto, Mariana e Prados (MG), etc., conheceram a tradição. De muitos lugares desapareceu, sendo hoje raríssimo. Os bonecões acompanhados de charanga e batuqueiros persistem animados em certas cidades paulistas: Atibaia, Iguape, Caraguatatuba, Redenção da Serra, Torrinha e Santana do Parnaíba [1]. Em Minas é afamado no Rio Novo, além de um grupo autêntico em Ritápolis.

Em São João del-Rei marcou época. Na primeira década do século XX até um pouco depois, vários destes grupos desfilavam pelas ruas, vindos de diversos bairros, encontrando-se na avenida e nutrindo certa rivalidade. O Bairro do Senhor dos Montes ficou célebre pelo seu grupo. Um dos registros do prof. Sebastião Cintra, nas “Efemérides de São João del-Rei”, noticia que em 1901, “no sábado de carnaval, percorreram a cidade os barulhentos Zé Pereiras”. O jornal são-joanense “O Repórter” registrou-os. Na edição n.2, de 05/02/1905, encontra-se este trecho: “Barulhoso Zé Pereira tem atordoado os moradores vizinhos á sede do Clube X e a pacifica população das ruas por onde elle tem transitado”. Na de n.4 o jornal atesta que “desde domingo passado que os préstitos do immortal Zé Pereira, tem se succedido, cada qual mais chibante e apparatoso disputando a victoria pelo chic, e numero de socios, uns ostentando asseiados carros, vistosos animaes e outros a pé, sempre em alegria cresente e animadora, fazendo crer que hoje e nos seguintes dias, proprios, mais se enthusiasmarão, honrando e homenageando o deus Momo”. No ano seguinte o mesmo órgão da imprensa reclamava acerca do desânimo do carnaval e a ausência de preparativos (n.1, 04/02/1906): “Os meninos é que estão a zabumbar o Zé Pereira, mas um zé sem futuro, zé que não formará e nem fará as nossas delícias”. Já na edição n.96, de 10/2/1910, em meio a severas críticas à desorganização e desânimo do carnaval daquele remoto ano e aos exageros do entrudo, há este lamento: “Nem ao menos o zabumbar de um Zé Pereira, animado, tão comum em outras localidades de menor importância, tivemos este ano”. Mas esta manifestação ainda durou mais alguns anos e depois sumiu. Só ficou na memória do são-joanense. Parece que do seu esfacelamento surgiram subsídios para os blocos de sujos. Mas averiguar isto exige pesquisa própria. E se o zé pereira é o pai dos blocos de sujos, é então avô do nosso querido “Lesma Lerda”.

E qual não foi a surpresa quando em 14/02/2000, a edição n.1.101 do jornal-mural “Amanhecer”, desta cidade, anunciou: “Zé Pereira domingo de carnaval... concentração 13 horas no Largo do Rosário. Bonecos gigantes e boi-bumbá. Parabéns ao Neném Quati e sua turma”. Era a força espontânea da memória coletiva brotando novamente! E saiu o zé pereira, descendo da Rua das Flores (atual Maestro Baptista Lopes) e se reunindo no Rosário, donde desceu pela avenida central com autenticidade numa memorável e calorenta tarde, girando os bonecões macrocefálicos na pisada certeira dos toques da charanga.

Penso que pelo valor histórico e folclórico este bloco merece grande atenção, hoje desfilando com o nome de “Recordar é Viver”, ainda sob o comando do “Mestre Quati” (Benedito Reis de Almeida). Compõe uma faceta bastante genuína do nosso carnaval de rua. E suas reminiscências foram bases formadoras do carnaval atual. O carnaval tradicional merece um grande apoio.

Vista parcial do bloco do Mestre Quati no desfile do ano 2000. 

Notas e Créditos

* Texto (fevereiro/2002; modificado em 14/06/2009) e foto (05/03/2000): Ulisses Passarelli.
** Obs.: O Professor Antônio Gaio Sobrinho transcreveu em um de seus livros notícia jornalística de 1924 sobre o zé pereira em Conceição da Barra de Minas, àquela época, um distrito são-joanense: "nestes dias, de 3 horas da tarde em diante, começarão a percorrer as ruas os numerosos grupos e cordões de fantasiados e retumbante zé pereira." (Memórias Sentimentais de Conceição da Barra de Minas. São João del-Rei: UFSJ, 2014. 230p.il. p.208).


[1] - In: Revelando São Paulo: Festival da Cultura Paulista Tradicional. SP: CEC, 2003. (DVD) 

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