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sexta-feira, 27 de julho de 2012

Rasoura das Dores

                                                                             
Rasoura é uma pequena procissão, circunscrita aos arredores da igreja donde sai. Dizem que tamanho não é documento. Como de fato, o pequenino cortejo processional não dispensa uma certa pompa e aparato.

No quarto domingo da quaresma sai a Rasoura de Nossa Senhora das Dores, da Igreja do Carmo, em São João del-Rei, às 8 horas. A veneranda imagem, de impressionante fisionomia, é incensada. Espadas prateadas estão cravadas em seu peito, um manto roxo aveludado recobre-lhe o corpo. Seu olhar de sofrimento nos remete à Paixão Sagrada.

A orquestra e seu coro executam o O vos omnes, que nos faz refletir se há dor maior que a daquele martírio de salvação, de seu Filho muito amado, Nosso Senhor. Os terceiros carmelitas vestidos com hábitos talares, velas à mão, vão conduzi-la.

De fora, o sino anuncia tristemente a rasoura e a excelente Banda de Música “Santa Cecília” faz correr arrepios no corpo, executando a comovente e tocante marcha fúnebre “Saudades”, do são-joanense Benigno Parreira. Sob o pálio, o padre segue contrito com o ostensório e a capa de asperges. O Turiferário vai enfumaçando o ambiente, que fica com aquele perfume religioso.

Outra marcha torna o ar respeitoso e contemplativo. O Cruciferário e os Ciriais abrem alas; mais atrás, as chamas bruxuleantes dos Ceroferários. A rasoura segue vagarosa descendo a Rua do Carmo. Contorna-lhe a praça com o vistoso Chafariz da Municipalidade. Diante do cemitério da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte Carmelo, fazem uma curta parada. A Mãe Dolorosa volta-se para o enorme portão de ferro trabalhado. Um coral ali posicionado a saúda com o “Stabat Mater”, para que a Senhora lacrimosa se compadeça das almas dos carmelitas ali sepultados.
            
Numa sacada de antigo sobrado, atiram-lhe uma chuva de pétalas de rosas. Se o andor fosse do Rosário, os congadeiros cantariam: “Lá do céu tá caíno fulô!”... São as graças infinitas, que caem do céu sobre nós. O andor estaciona para receber as flores: está “dando a graça” àqueles devotos.
            
O sino já anuncia a chegada. Entra sob palmas. A banda municipal, de fora, encerra a participação.  A orquestra, de dentro, retoma a função musical na missa. O celebrante lembra que “a fé nos edifica” e que “a procissão não é um passeio; é uma peregrinação, um símbolo da jornada terrena rumo à salvação celeste”.
            
Apurando os ouvidos já se ouve o dobre lá no São Francisco. É a Rasoura dos Passos, de igual valor e beleza. Muitos devotos saem de uma vão para a outra. A gradação das cores rosa-lilás-roxo das hortências do andor, no matiz da contrição, proporciona uma contemplação sui-generis, da piedosa imagem. Um devoto cuidadoso inseriu bailarinas amarelas entre elas, aquelas pequenas orquídeas mimosas (Oncidium), dando vida ao que parece morto de dor. A vida supera. E assim vão os fiéis se preparando espiritualmente para a soleníssima Procissão do Encontro. Mas esta é logo mais, à noite...

Rasoura das Dores.

Notas e Créditos


* Texto: Ulisses Passarelli, quaresma de 2001
* *Foto: Iago C. S. Passarelli, 10/03/2013

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