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quinta-feira, 19 de julho de 2012

Fundamentos do Folclore


“Que é folclore? É a reunião residual de todas as culturas, desde o paleolítico ao avião a jato.”  (...)  “No folclore nascemos, vivemos e morremos. É o clima natural, orgânico, diário, familiar. É a ciência do povo. Saber mais do que o povo é privilégio do Espírito Santo.” 
(Luís da Câmara Cascudo, 1981)


Antes de qualquer coisa lembro de uma frase do educador e folclorista Tião Rocha, ouvida no seminário Folclore e Parafolclore, promovido em Belo Horizonte pela Comissão Mineira de Folclore, a 16 de março de 2000: “folclore não se ensina, mas se aprende.”

A palavra FOLCLORE surgiu do anglo-saxônico “FOLK” + “LORE”, o saber popular (tradicional), o conhecimento (não institucionalizado) do povo. Esta palavra foi criada pelo inglês Willian John Thoms, que a fez publicar num artigo, usando o pseudônimo de Ambrose Merton, no jornal londrino The Athenaeum, edição nº 982, de 22 de agosto de 1846.

Thoms era preocupado com o conhecimento e preservação das tradições, até então chamadas indistintamente de “antigüidades populares” e “literatura popular”. Ao seu tempo, tais manifestações eram consideradas como fatos muito velhos, exóticos, curiosos, que se devia buscar conhecer logo antes que sumisse de vez. O neologismo visava unificar sob um só termo o conceito já razoavelmente conhecido, mas que só a partir de então ganhava valor, ainda que lentamente. Por ser o primeiro que chamou a atenção sobre o assunto e como criador da palavra mais aceita (não a única), é considerado o “Pai da Folclorística” . A data 22 de agosto é considerada o “Dia do Folclore” e agosto o “Mês do Folclore”.

Por Folclorística, Folclorologia, Ciência do Folclore ou Folclore (com maiúscula) se entende o ramo da ciência humana dedicado ao estudo do folclore (que com minúscula se entende a matéria estudada, o conteúdo disciplinar). Por anos a fio correu a inútil discussão acerca do Folclore ser um ramo independente ou uma disciplina, nesse caso, segundo uns, filiado à antropologia, segundo outros, à sociologia. Cada qual, “puxando a sardinha para a sua lata”, criticava a metodologia de pesquisa de outro e tentava impor um “modelo ideal”. No contexto dessa demanda teórica os estudos folclóricos ficaram de fora das salas de aula em geral, sobretudo das universitárias, o que representou numa última análise, em prejuízo para todos.

A princípio o conceito de folclore se restringia apenas às manifestações de ordem espiritual (intangíveis) e as narrativas populares. Com o passar dos anos contudo passou a abarcar também as físicas, ou seja materiais. Hoje é aceito também as manifestações por assim dizer de surgimento mais recente na sociedade e não apenas as antigas. Com isto o campo para estudos se ampliou e os conceitos progrediram e tem sido constantemente atualizados pelos teóricos da Folclorística em seus textos e discussões.

Hoje se entende por folclore o seguinte:

Conjunto das criações culturais de uma comunidade, baseado nas suas tradições expressas individual ou coletivamente, representativo de sua identidade social. Constituem-se fatores de identificação da manifestação folclórica: aceitação coletiva, tradicionalidade, dinamicidade, funcionalidade. (Carta do Folclore)

         Estes fatores supracitados são os primários (essenciais). Roberto Benjamim soma a eles, em caráter secundário (complementar) a espontaneidade e a regionalidade. Outros mais, outrora tidos como principais, hoje foram relativizados pela renovação de conceitos e no máximo podem ser considerados terciários (suplementares), posto que podem ou não surgir: transmissão oral, antiguidade e anonimato.

Considera-se como campo para pesquisas folclóricas:

-   Crendices e superstições (concepções de mundo e vida; cultos e devoções populares; cerimônias e rituais; tabus; profecias e previsões; mundo sobrenatural; ...)
-    Usos e costumes (trajes e adornos; costumes relativos à vida privada e à pública; costumes fúnebres; medicina popular; costumes relativos à vida funcional, ao comércio, ao transporte, à história, ao direito; ...)
-    Linguagem popular (dialetos; metáforas; frases-feitas; formas de tratamento; linguagens especiais; métrica e versificação; ...)
-   Lúdica (jogos em geral; danças e bailes; cortejos; autos; festas tradicionais; títeres; pantominas; cavalhadas dramáticas; coreografia; ...)
-     Artes e técnicas (rudimentos de arquitetura; escultura; ex-votos; cerâmica; desenho, pintura, decoração e xilogravura; manufaturas; instrumentos musicais de uso nos folguedos; engenhocas e instrumentos de trabalho; ...)
-  Música (de representações populares; de atividades profissionais; infantis; religiosas; conjuntos instrumentais; gêneros de música folclórica; ...)
-    Literatura oral (poesia popular; autos e peças populares; novelística; cancioneiro; romanceiro; enigmas populares; literatura de cordel; pasquins; ...)
-  Folclore infantil (brinquedos em geral; crendices e superstições infantis; usos e costumes infantis; linguagem infantil; lúdica e teatro infantis; parlendas; ...)

Na amplitude enumerada, somos todos portadores de folclore e não há vergonha alguma nisso. Pelo contrário, encontrar a tradição em nós mesmos é honroso. O mal entendimento sobre o conteúdo folclórico de nossa vida, seja pela falta de um sistema educacional que o projete na escola, seja por equívocos de parte da mídia ao divulgá-lo, fizeram com que, ao passar dos anos, a palavra “folclore” se desgastasse com o mal emprego, ganhando um cunho pejorativo de algo de pouco valor cultural, da ralé, desqualificado de seu saber e sinonimizado com a mentira. Isto é uma lástima posto que noutros tempos o folclore já foi um bom instrumento para ajudar a desenvolver o nacionalismo e a aprimorar sentimentos cívicos, o que também já foi motivo de controvérsias igualmente inúteis.

Em razão dessas distorções e incongruências, muitos estudiosos atualmente evitam usar a palavra folclore, considerada desgastada, substituindo-a por “cultura popular”, que tem prevalecido. Sem adentrar nas discussões teóricas a respeito, friso esta citação da Carta do Folclore:

“Ressaltamos que entendemos folclore e cultura popular como equivalentes, em sintonia com o que preconiza a UNESCO. A expressão cultura popular manter-se-á no singular, embora entendendo-se que existem tantas culturas quantos sejam os grupos que as produzem em contextos naturais e econômicos específicos”.

 Este sinônimo é muito útil por equilibrar o folclore num vértice do triângulo cultural, composto pela cultura popular, pela cultura de massa e pela cultura erudita.

         Entende-se agora que não é possível, nem sequer sadio, isolar o folclore da influência de outras vertentes culturais, como se pudesse ser embalsamado, engessado, posto sob uma redoma. Há um permanente intercâmbio entre ele, como uma “cultura do popular” (Luís da Câmara Cascudo) e as culturas massiva e erudita. Esta inter-relação de elementos tem sido continuamente estudada e há correntes de pesquisadores que defendem a adoção de medidas protecionistas ao folclore frente aos processos de globalização. Porém, a visão apocalíptica do folclore, como em vias de total extinção é superada pois o mesmo já deu muitas provas do seu caráter de resistência cultural além da forte capacidade adaptativa.

Bibliografia básica:

-    Salvaguarda do Folclore, UNESCO, 16/11/1989. In: Boletim nº 13 da Comissão Nacional de Folclore, Rio de Janeiro, abr./jun.1993.
-    Inteligência do Folclore, Renato Almeida, 1957.
-    Carta do Folclore Brasileiro, Comissão Nacional do Folclore, revisão de 2004;
-   Folk-lore. (Transcrição do texto de Willian J. Thoms). Edição comemorativa do sesquicentenário de criação da palavra folclore. Comissão Nacional de Folclore, 1996.
-  Novas perspectivas para o trabalho com o folclore, Roberto Benjamim, Anais do XI Congresso Brasileiro de Folclore, 19-22/10/2004, Goiânia / GO.


Boneca de palha de milho, São João del-Rei / MG.

* Texto: Ulisses Passarelli, ag.2007.
** Foto: Iago C.S.Passarelli, 2012.

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