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domingo, 27 de agosto de 2017

Nomenclatura das peças de um carro de bois

O carro de bois é uma criação prática do homem, constituída por uma multiplicidade de peças ou partes, justapostas, encaixadas, intertravadas. É ciência do homem rural fazer cada parte do carro e monta-las adequadamente; saber e escolher a madeira ideal, o quanto e como desbastar, onde reforçar, o quanto reforçar... E tais peças tem curiosos nomes de batismo.

Tal nomenclatura é naturalmente variável de uma região para outra (*). Seu estudo deve considerar os detalhes do regionalismo.

O presente texto se desenha como um glossário, simples e regional, acerca das peças constituintes de um carro de bois ao redor de São João del-Rei, que ora se dispõe por ordem alfabética.

* * *

Ajôujo – amarrilho estabelecido entre os dois bois de uma junta, através de uma torcida de tiras de couro ou uma correia, presa nas argolas que trespassam as pontas dos chifres: o chifre direito do boi da esquerda ao chifre esquerdo do boi da direita da junta. O ajôujo não permite que os bois ponham a cabeça em posição divergente um em relação ao outro.

Argola – peça de ferro, circular, vazada, usada para trespassar cordas, correias, ganchos de correntes. É usada tanto nas pontas dos chifres dos bois quanto na parte inferior da mesa do carro. Neste caso, serve para atrelar uma junta nas descidas fortes, frenando o carro muito carregado.

Aro – cinta metálica ao redor da madeira da roda para proteger a madeira. Antigamente era frequente o aro ter vários pinos metálicos (cravos) para impedir deslizamento da roda nas descidas íngremes e escorregadias (“roda cravada”).

Arrêia – travessa de madeira por baixo da mesa, cujos extremos se inserem em orifícios escavados na chêda. As arrêias tem papel estrutural por sua posição transversal às chêdas, mantendo-as equidistantes e suportando as tábuas da mesa.

Braçadeira – corrente estabelecida entre os dois bois de uma mesma junta, pescoço a pescoço, unindo-os através dos canzis.

Brocha – trançado de couro que uni o canzil direito ao esquerdo por baixo do pescoço do boi.

Cabeçalho – peça reta de madeira, longa, que corre pelo centro da mesa até o extremo oposto, ao qual se atrela os bois.

Cabongueira – segmento do eixo entre a face interna do rodado e o cocão.

Cambão – corrente que une uma junta à outra. Substitui a tiradeira.

Cambota – duas peças mais externas do rodado, em forma de meia lua.

Canga – peça em madeira com curvatura para se ajustar à anatomia da nuca dos bois, unindo-os numa mesma junta. Jugo.

Canzil – peça denteada que trespassa verticalmente a canga e se posta em paralelo de cada lado do pescoço do boi.  

Cavilha – trava de madeira trespassada. A pronúncia corriqueira é “cavia”.

Chaveia – pino de madeira na ponta do cabeçalho, usado para atrelar uma junta de bois de coice.

Chaveta – alça de ferro na ponta do cabeçalho.

Chêda – borda da mesa do carro de cada lado. Lateral do carro.

Chumaço – peça entre os dois cocões, que os ajusta ao eixo, contribuindo de maneira significativa para seu som característico. De ordinário se usa uma madeira mais macia que a dos cocões, tais como aroeira fria e sangra d’água, que favorecem o cantar do carro, mas  por outro lado, obrigam substituição mais frequente da peça.

Cocão – peça côncava de posição vertical, que prende o carro ao eixo. Os cocões são postos aos pares, de ambos os lados.

Eixo – peça horizontal maciça que une os rodados, de confecção difícil pela necessidade de equilíbrio das forças e dimensionamento adequado. As madeiras prediletas são a sucupira e a pereira; por vezes se usa canela e garapa.

Esteira – trançado de taquaras passado pelos fueiros sobre as chêdas, rodeando a mesa para delimitar a área de carga. Esteira de segurar a carga.

Fueiro – pau tosco de ponta lavrada a facão, que se finca verticalmente em perfurações da chêda, delimitando a lateral do carro. Os fueiros sustentam a esteira e na ausência desta, a própria carga.

Meião – peça central do rodado, entre as duas cambotas. Habitualmente pronunciam “mião”.

Mesa – a superfície do carro onde vai a carga.

Óculos – duas perfurações paralelas nos rodados, com a função de dar vazão à agua e lama na travessia de atoleiros, ajudando que o carro não agarre.

Orelha – travessa de madeira no extremo do cabeçalho de alguns carros, transversal ao mesmo, ou seja, horizontal. Substitui o pigarro.

Pigarro – peça vertical no extremo do cabeçalho para se atrelar a junta de coice.

Rodado – a roda do carro de bois.

Rosário – conjunto de pinos em disposição circular ao redor do rodado, que dizem fortalecê-lo.

Sôgra – corda estabelecida entre as cabeças dos bois de uma junta, substituindo o ajôujo.

Tamoeiro – trançado de couro que prende o centro da canga à ponta do cabeçalho ou à tiradeira.

Tiradeira – peça reta de madeira com um pino de travamento usada para atrelar uma junta à outra. Substitui o cambão. 











Notas e Créditos

* Anna Bettero Monteiro Lobato descreveu a nomenclatura das peças de carros de bois do sul capixaba (Muqui/ES), em texto publicado num dos números da Revista da Comissão Espírito Santense de Folclore.
** Texto e fotografias: Ulisses Passarelli, (20/08/2017 - durante o 1º Encontro de Carros de Bois de São João del-Rei)
***Informantes: Domingos Gonçalves (Elvas), Jonas Santos (Rio das Mortes), Joaquim Henrique (Prados), José Marcos de Oliveira (Brumado de Cima).
**** Complemento _ orelha em cabeçalho de um carro de carneiros; acervo Ulisses Passarelli, fotografia Iago C.S. Passarelli, 31/03/2018: