Estrada Real: caminho de tropas, boiadas e folclore [1]
Ulisses Passarelli
(Ao amigo Zé do Munho)
A Estrada Real foi o grande caminho
de escoamento de produtos agropecuários desde o fim do Ciclo do Ouro até meados
deste século, em carros de boi e tropas, além do constante movimento de
boiadas, cavaleiros e animais cargueiros. Auguste de Saint-Hilaire já
mencionava o seu grande movimento no começo do século XIX.
Dos produtos destacavam-se o
toicinho e o queijo, que os tropeiros levavam, comprando no sertão, assim
chamado o interior pouco povoado, a oeste e trazendo pela Estrada e suas
variantes até o Rio de Janeiro, desembarcando no Porto da Estrela. Retornavam
com carregamento de sal, muito valorizado no interior.
“Arriei a minha tropa
Fui ganhá o meu dinheiro
Fui fazê uma viagem
Para o Rio de Janeiro.” (etc.)
As
tropas compunham-se de sete a dez burros nos quais adaptavam grandes cestos de
taquara trançada no lombo, os jacás,
ou malas de couro, as bruacas, em
ganchos de madeira, as cangalhas e os
canudos para carregar queijos, feitos
de lascas verticais, também de taquara, hoje substituídos por tubos de PVC. Um
burro mais treinado era o guia, com o cincerro ao pescoço, espécie de sineta,
cujo som os demais acompanhavam na marcha compassada e em fila. À noite o cincerro
era passado para a madrinha[4],
uma eguinha mansa que tinha por função não deixar os animais saírem para pastos
distantes, pois ficavam junto ao animal que tinha o cincerro.
Tropeiro era o chefe da
tropa seguindo a cavalo, ajudado pelos tocadores
ou tangedores, a pé.
Outro
personagem destes caminhos eram os compradores de porcos, tocando-os a pé pela
Estrada, atraindo-os às custa de grãos de milho soltados aos poucos como numa
trilha.
Também
o muladeiro, outrora chamado
almocreve, vocábulo de origem árabe trazido pelos portugueses, lembrança ainda
da dominação muçulmana. Era o comprador de burros e mulas, levando-os amanados até o interior de São Paulo.
O
carro de bois com seu gemido rouquenho
e bucólico, fruto do atrito do eixo com o cocão, seguia carregado, guarnecido
pela esteira de taquara-poca passada entre os fueiros. Os bois aparelhados
pelas cangas obedeciam ao carreiro munido de longa vara que tinha na ponta um
ferrão e algumas argolas cujo tinido os bois obedeciam. Auxiliando-o, ia o candieiro. Os bois de carro eram
verdadeiro orgulho de seu dono, que escolhia a dedo as juntas pelo tamanho, cor
e treino: “Ô-ah! Malhado! Pintado!
Pintado!”
A comitiva era formada por boiadeiros, peões e pelo cozinheiro.
Montados, saiam sertão adentro à compra de gado pelas fazendas ao longo da
Estrada Real e de suas proximidades. Compravam em grande número, a prazo de
trinta ou quarenta dias, sem papel assinado. A palavra valia mais, o nome, a
indicação, a referência, a amizade ou o compadrio[5].
Quando o negócio era de maior vulto, a prova do pagamento era um fio da barba
do comprador, entregue ao vendedor. Guardava-se num envelope e devolvia-se ao
seu dono na ocasião do pagamento[6].
O
boiadeiro reconhecia-se logo pela silhueta: a cavalo, calçado de botas de cano
alto, ou botina e perneira, esporas, cinto com facão e garrucha, vara de
ferrão, berrante a tiracolo, cigarrão de palha fumegando no canto da boca, meio
caído, como que tragado displicentemente, chapelão na cabeça, de abas largas,
calça e camisa simples, com capa boiadeira por cima.
Viajavam
muitas vezes sem destino, indagando por negócios possíveis. Trinta a sessenta
dias longe de casa, numa vida itinerante, quase nômade. Rude com certeza. A partida[7] de
gado era trazida tocada a aboio[8] _
canto de trabalho para incitar a boiada à marcha _ e aos toques próprios do
berrante para cada ocasião: a saída, chegada, marcha, estouro de boiada, pouso,
rancho, reunir animais.
Refrão: Êh, boi!
|
Êh, boi!
|
Eu entrei
nesse cerrado
|
A noite chega
|
E saí no
chapadão
|
Nós precisa
pousá,
|
Quanta morena
bonita
|
Morena tá
me‘sperando
|
Eu deixei
nesse sertão.
|
Na porteira do
currá.
|
Na baixada que
seguia
|
Morena deitô
falano grosso
|
Muita areia no
chão,
|
Levantô falano
fino
|
O boi pisava
fundo
|
José, você não
vai embora
|
Levantá puêra
do chão.
|
Meu amigo José
Cristino ...
|
Toca o
berrante, seu moço,
|
Toca o
berrante
|
Que a boiada
que estôrá,
|
Prá juntá essa
boiada
|
Toca o
berrante, seu moço,
|
Adeusinho meu
amor
|
Que nós
precisa chegá!
|
Adeusinho
minha namorada.
|
(Antônio
Carlos – MG)
Boi, boi, boi,
|
Boi, boi, boi,
|
Eu não sou
boiadeiro não
|
Boi,
boiadeiro!
|
Sou tocado de
gado,
|
Boi, boi, boi,
|
Boiadeiro é
meu patrão.
|
Segura sua
boiada!
|
O
cozinheiro era o responsável pelo cargueiro
da comitiva, o animal que carregava os poucos pertences, panelas, demais
vasilhames e mantimentos. Ia sempre adiantado dos demais para em lugar
combinado já esperá-los com a alimentação pronta, sempre feita na banha de
porco, que tem sustança para a lida: arroz, feijão com farinha, carne salgada,
torresmo. E o café forte para arrematar, fosse nas águas ou na seca [10].
A
Estrada Real chamavam “Corredor de Gado”, largo caminho de terra batida ladeado
de valas. Fora do corredor o gado era lavado na larga, pelos campos, trilhas e vargedos.
Padecimentos
havia muitos nesta vida do mundo. Uma cruz no caminho marcava a morte de
Antônio Félix, um tropeiro assassinado por dois policiais, “homens de boné” [11]:
Num sabe o que
aconteceu
|
Ele em’vinha de
viagem
|
Lá na Mata do
Campinho,
|
Com um pequeno
tocado
|
Mataro seu
Antoin’ Féli’
|
Tomo um tiro
na cabeça
|
Com sua tropa
em caminho.
|
Nem de Jesus
alembrô.
|
A justiça tomô
parte
|
O escrivão
passô a fé
|
Quem matô seu
Antoin’ Féli’
|
Foi dois home
de boné...
|
(Bias
Fortes – MG)
Eu saí de casa
|
Eu desci
pra’qui abaixo
|
Pensando que
era home
|
Panhando
minhas goiabinha
|
Na passagem da
porteira
|
Cada barulho
que fazia
|
Quase que a
onça me come.
|
Pensava que a
onça vinha.
|
(Bias
Fortes – MG)
No
caminho podiam surgir as chuvas _ da garoa à de pedra _ vento, calor, poeira,
geada. Fome. Doenças em geral. A noite as dificuldades eram maiores: onde
dormir?
Por
vezes a noite os surpreendia no caminho. Dormiam em escala, uns vigiando os
animais para não fugir, enquanto outros se escoravam pelo chão, para alta
madrugada revezarem. “Da macega eu faço a
cama / do sereno um cobertor (...)”, diz um canto[13].
No
geral a marcha era programada para se atingir os pousos habituais, fazendas amigas
ou ranchos a propósito, com cercados ladeando, com pastos para animais. Nos
pousos, dormia o boiadeiro usando o arreio de travesseiro; baixeiros, mantas e
pelegos de colchão, e a própria capa de cobertor.
Após
a janta na trempe improvisada, com pedras ao redor para cercar a brasa e
armação articulada para segurar as panelas de ferro, a conversa ao redor do
fogo era fundamental no relacionamento humano. O assunto era a lida diária: a qualidade do toicinho, a
hospitalidade de um fazendeiro, a briga dos marrucos,
uma vaca nabuca trochada mojando, uma
novilha gorda pegadeira, o boi carreiro araçá, de chifre argolado, o
pasto de capim-gordura, a cheia do ribeirão, o casamento da filha do compadre,
a safra do milho, um bando de bugios ou de sauás em festa na galhada. Uns
picando fumo, outros quentando fogo, ou o bucho, com uma talagada de boa pinga
mineira, cuja garrafa ia sempre pendurada na cabeça do arreio[14].
Boiadeiros,
tropeiros, tangedores, muladeiros, candieiros, carreiros, viajantes, mascates,
fazendeiros, encontravam-se nestes pousos e corriam soltas as estórias, lendas,
causos, mitos. Lembravam dos lugares assombrados, como as velhas fazendas do tempo dos antigos, a cava onde
aconteciam coisas misteriosas, a porteira dominada pelo pemba, que só abria quando queria batia três vezes na hora de
fechar, um caminho entre uma capoeira onde alguns viajantes se assombravam com
uma invisão, os feiticeiros _ cuba do papo amarelo _ que amarravam
carro-de-bois e espalhavam a tropa[15].
Mais
tarde, quem sabe, a viola caipira indispensável animava com o dedilhado
inconfundível, ouvindo décimas, toadas tristes e modas alegres, como a “Moda da
Tetéia”[16]:
Eu pedi meus
capataz
|
Eu andava de
vez em quando no ar,
|
Que minha
boiada levasse
|
De vez em
quando no chão,
|
Tomasse conta
de tudo
|
Só lembrava de
São Jorge,
|
Até que nos
encontrasse.
|
Que é da minha
devoção.
|
Eu cheguei na
casa da roxa
|
Dava um pulo
pra cima,
|
Perguntei o
nome dela
|
Metia o bico
da bota,
|
_ eu me chamo
Docelina
|
Gritava: _
abre, negrada!
|
Sobrenome de
Tetéia.
|
Era nove, dez
cambota.
|
Numa
tardezinha deu vontade
|
Quando viram a
coisa feia
|
De ir lá no
recreio.
|
Gritaram: _
pára, gente!
|
Tetéia me
recomendou
|
Vamo rezá o
credo primeiro!
|
Para nada não
beber
|
Isso é até o
diabo,
|
Que eles punham
o homem tonto
|
Em figura de
boiadeiro...
|
Para depois
bater.
|
|
Quando o banzé
cessou
|
|
Logo quando eu
cheguei,
|
Eu fiquei por
ali,
|
O batuta Chico
Rita
|
Vi catinga de
bode no cabo do piraí [17].
|
Por essa forma
falou:
|
O batuta Chico
Rita,
|
_ eu tenho minha
faca Nov
|
Desse eu tive
pena,
|
Que comprei lá
no Cruzeiro
|
Depois dele
bem pisado,
|
Pra cortar
crista de galo
|
Meti nele a
chelena!
|
E mala de
boiadeiro ...
|
Cinquenta
conto minha chelena custo,
|
Quando ele
falô assim
|
|
Respondi no pé
da letra:
|
Eu desci pra
rua abaixo
|
_ não arreceio
morrê no meio da lama,
|
Fui sair em
Santa Teresa
|
A dor da morte
é a mesma
|
Lá mesmo onde
estava
|
Tanto aqui
quanto na cama.
|
O suquinho da
beleza.
|
Logo quando eu
falei assim
|
Arriei a minha
mula
|
A rapaziada
encaiporô [19]
|
Por nome de
Assembléia,
|
Foi uma chuva
de pau
|
Depois da mula
arriada
|
Escureceu de
poeira,
|
Joguei a pala
na garupa.
|
Fedia chifre
queimado
|
Depois de tudo
arrumado
|
E resbalo de
madeira.
|
Mandei sentar
Tetéia comigo.
|
Tinha vinte e cinco léguas
|
Até o Arraiá da Glória
|
Cortei todo esse chão
|
Dentro de vinte e quatro horas.
|
Havendo mais gente logo faziam uma
função: catira, rodinha, cana-verde, carangueijo, calango, recortado,
roda-morena. São danças do folclore “branco” que muito provavelmente aqui
chegaram trazidas dos estados Rio de Janeiro e São Paulo onde ocorrem[20],
através da Estrada Real, por estes trabalhadores itinerantes, que num dia,
aprendiam em um pouso e amanhã repetiam noutro, léguas adiante, afinal, “quem ouve esquece, quem vê entende, quem
participa aprende.”
Estas
comunidades ao longo da Estrada real estavam habituadas a tudo isto. Era assim
a vida, natural e essencial. Preservavam espontaneamente os costumes, a
religião, o pagamento de promessa com a dança de São Gonçalo trazida pelos
mesmos boiadeiros e tropeiros. Tudo isto hoje está perecendo com a dissolução
das comunidades caipiras que mantinham este folclore. É plausível admitir que o
próprio moçambique-bate-paus, modalidade de congado tenha chegado por esta via,
ainda mais se considerarmos que sua área de distribuição é ao longo do antigo
Caminho. Este folguedo porém persiste, preservado pelos negros devotos.
Não é fato único. As ligações do
folclore do sul e sudoeste de Minas com o de São Paulo, inclusive nestas
danças, tem explicação idêntica. Assim como o de São Paulo e Paraná,
notadamente o fandango.
Até o nordeste, ao longo dos antigos
caminhos de gado, da Bahia ao Piauí, ou ao Rio Grande do Norte e Ceará, o
folclore tem fortes ligações, em especial o do Ciclo do Rosário e dos Reis Negros.
De tal forma foi a importância
desses centauros que desenvolveu-se na umbanda uma “linha” religiosa dita Linha
de Boiadeiro, acreditando-se que os espíritos dos boiadeiros voltem para
cumprir chamados religiosos[21]:
Chapéu de couro,
abençoado!
Peço licença pra
entrar em seu Reinado! ...
(Barbacena – MG)
Boiadeiro meu!
|
Auê, chapéu
grande!
|
É de Minas
Gerais!
|
Beirada de
ventania!
|
Pra ficar sem
boiadeiro
|
Beirada de
ventania!
|
Meu sertão não
vive em paz.
|
Ôh! Bêrada de
ventania...
|
Seu boiadeiro,
por aqui choveu?
|
Getuê, getuá!
|
Choveu que
água rolou ...
|
Corda de
larçar meu boi!
|
Foi tanta água
que meu boi nadou,
|
Getuê, getuá!
|
Foi tanta água
que meu boi nadou...
|
Corda de boi
laçar!
|
Ô gente,
segura esse boi!
|
Tava nas
campinas
|
Ô gente,
segura esse boi!
|
Campiando os
bois,
|
Ô gente,
segura esse boi!
|
Quando me avisaram
|
Esse boi é
meu, esse boi é demais!
|
Sua boiada já
se foi...
|
Onde andará?
|
Onde andará?
|
Minha boiada,
|
Tão querendo
me tomá ...
|
(Lavras
– MG)
Estas
observações são fruto de uma pesquisa inicial que ainda engatinha mas que agora
tom a fôlego com a excelente iniciativa de aproveitar a Estrada num amplo
projeto de desenvolvimento do turismo rural e ecoturismo, que sem dúvidas trará
desenvolvimento. Pretendemos chegar ao mapeamento cultural, traçando as
ligações entre as regiões distantes.
Agradecimento aos informantes dos cantos: José Cândido de
Salles (Antônio Carlos, MG), Elvira Andrade de Salles (Bias Fortes, MG), “Dona
Josefina” (Barbacena, MG), Luthéro Castorino da Silva (Lavras, MG), José
Orlando da Silva (São João del-Rei, MG). Nossa gratidão, igualmente, a Dr.José
de Alencar de Ávila Carvalho (São João del-Rei, MG) e a Raimundo Nonato de
Paiva (Luminárias, MG) pelas informações adicionais.
* * *
Este texto foi escrito a treze anos quando estava a todo vapor a divulgação da Estrada Real. Considerei este nome como preferencial para a execução textual por se sintonizar melhor aos objetivos ao ideal da época. Para este blog, o texto foi redigitado com acréscimo das notas de rodapé que tornam a crônica mais elucidativa. As fotos abaixo também não faziam parte do texto original. A primeira é de autor não identificado, de álbum familiar, representando a comitiva de Zé Cristino, citado nas notas de rodapé. As outras duas são de minha autoria e representam um rancho boiadeiro já hoje inexistente, de Santa Cruz de Minas (1999) e uma tropa parada na área central de Prados (2003).
[1]
- Publicado em: Revista do Instituto
Histórico e Geográfico de São João del-Rei, v.9, 2000. 166p. p.57-64.
[2]
- Verso da chula do palhaço da Folia de Reis do Bairro Bonfim, do saudoso
Mestre “Dinho” (José Orlando da Silva), colhida no Arraial das Cabeças, São
João del-Rei/MG, em 1993. O personagem do palhaço era encarnado por Jorge Aparecido de Paula.
[3]
- Mantive, por respeito ao texto original, para efeito de digitação, a grafia
que então adotava para a cidade, hoje abandonada diante dos ensinamentos de
Abgar Tirado: Breve Estudo sobre a Conveniente Grafia do Nome de São João del-Rei e do Adjetivo Gentílico Relativo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v.10, 2002. 180p.il. p.176-180.
[4]
- O mesmo que égua madrinheira.
[6]
- Desta promissória do passado, prova notável de hombridade, vergonha na cara,
compromisso de pagamento feito deixando-se um pedaço do próprio rosto, um fio
da barba ou do bigode, símbolo de seriedade do compromisso, ainda restou uma
expressão popular: “(... fulano) não vale um fio de bigode!”, indicando
que não vale nada, pessoa imprestável em quem não se pode confiar.
[7]
- Partida: um lote de animais; manada, rebanho. Conjunto de reses tocadas
estrada afora.
[8]
- O aboio é mais conhecido na área do Polígono das Secas mas não foi
desconhecido nos Campos das Vertentes, nem em sua forma típica nem na
versejada, cujo exemplo se segue, colhido do boiadeiro “Zé Cristino” (José
Cândido de Salles), saudoso morador do Córrego, em Santa Cruz de Minas, mas
natural da Fazenda Serra Velha, em Antônio Carlos/MG.
[9]
- Informação da sra.”Josefina”, 1996, Barbacena.
[10]
- Cargueiro: animal de carga. Nas águas: na estação anual chuvosa. Na seca: na
estação da estiagem. O arroz com carne seca desfiada é muitas vezes chamado
“arroz de carreteiro”, nome de influência sulina. Feijão com farinha e torresmo
é o feijão-tropeiro, que na cidade acrescentam couve picada mas que esses
viajantes estradeiro poucas vezes tinham acesso nos rudes locais de
alimentação.
[11]
- Estes versos me foram recitados e não cantados. Informação da sra. Elvira
Andrade de Salles, 1995, esposa do já citado boiadeiro Zé Cristino, meus
sogros, ela natural do povoado do Guilherme, em Bias Fortes / MG.
[12]
- Cantado pela mesma informante das estrofes anteriores.
[13]
- Informado pelo boiadeiro Zé Cristino. É um fragmento de cantoria de uma dança
rural desaparecida chamada roda-morena.
[14]
- Lida: labuta, trabalho, afazeres. Marruco: touro. Nabuca (o): animal sem
cauda ou que a tem muito curta; cotó. Trochada: pelagem castanho claro,
tracejada de escuro, semelhante ao pelo araçá. Mojando: prenha, prestes a parir
e produzir leite, indicativo de lucro. Pegadeira: vaca brava, que pega,
persegue pessoas para chifrar. Carreiro: boi treinado para puxar carro. Costuma
ter argolas de ferro trespassadas no chifre para facilitar amarras. Araçá: boi
de pelo ocre rajado de preto. Bugio e sauá: símios, macacos cebídeos,
respectivamente Allouata fusca e Callicebus personatus. Bucho: exatamente
o estômago e em sentido amplo, a barriga.
[15]
- Tempo dos antigos: expressão popular para usada para indicar antiguidade e
por conseguinte uma teórica preservação ritualística. Candieiro: auxiliar do
carreiro. Pemba: africanismo banto, de Angola, usado com o sentido de diabo. O
termo original é “cariapemba”, que no Brasil se desdobrou em duas palavras
distintas, ambas empregadas como sinônimo de demônio: “cariá” e “pemba”.
Invisão: espectro fantasmagórico; assombração. Cuba:o mesmo que cumba,
indivíduo profundo conhecedor das artes místicas. Feiticeiro. “Do papo
amarelo”: expressão intensificadora.
[16]
- Moda muito antiga, informada pelo boiadeiro Zé Cristino, 1999.
[17]
- Piraí: pequeno chicote, relho miúdo. Catinga de bode: o odor de caprino é
considerado demoníaco.
[18]
- Chelena: corruptela de chilena, um tipo de espora. Roseta: círculo com pontas
metálicas que espetam o cavalo pela espora.
[19]
- Encaiporou: fez como o caipora (ser mitológico), que arma espreitas no mato.
[20]
- O avanço das pesquisas me faz revisar este pensamento. É difícil afirmar se
as danças vieram de lá para cá ou o contrário. Poderia ser as duas
possibilidades. Seguramente se pode dizer apenas que boiadeiros e tropeiros
contribuíram muito para disseminar a cultura popular. A designação “folclore
branco” ou negro, ou índio é clássica, mera figura de linguagem e caiu em desuso.
A mescla cultural e étnica, bem como o mau uso dessas expressões, assim o
determinaram.
[21] -
Inf.: Dona Josefina, Barbacena, 1996.
[22] -
Informado por Luthéro Castorino da Silva, 1996, morador em São João del-Rei, mas
aprendido num terreiro de Lavras / MG.
Muito rico e original. Merece virar um folheto, tipo cordel, em estilo mineiro, tropeiro. Grande abraço!
ResponderExcluirViajei, Emílio! Fazer folhetos e encher uma bruaca com eles, ou jacás de taquara, por no lombo de um cavalinho, amarrar um cincerro nele e sair por aí, tinindo e distribuindo cultura de graça, vestido a caráter.
ResponderExcluirPor enquanto não pagamos imposto para sonhar. Então aproveitemos, caro irmão!
Abç.
Meu amigo, tenho um defeito: acreditar que sonho é semente da realidade.
ExcluirResisto nesta inocente crença, mas esta fé me faz sonhar com o porvir. E que, tenho certeza, virá.
Virá, não, já está aí. Este blog nada mais é do que um jacá eletrônico, a navegar por cyber-estradas, distribuindo folhetos virtuais.
Avançamos na contemporaneidade que o hoje nos impõe, mas sonhamos com o paraíso dos folhetos impressos em papel jornal - ou no nosso papel de pão de São João del-Rei - em tipografias artesanais (ainda existem?) e entregues um a um, mão a mão, como pão fresco e quentinho, café novo, fruta do pé, flor orvalhada, bênção de pai e mãe, sorriso de irmãos, abraço de amigos,beijo de namorada.
Sonhemos então. Presente e futuro valem a pena e o universo há de fazer a sua parte...
Grande abraço.